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Plinio Corrêa de Oliveira
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A família: a chave para compreender a sociedade medieval – Parte I


Para compreender bem a sociedade medieval, é necessário estudar a sua organização familiar. Aí se encontra a “chave” da Idade Média, e também a sua originalidade. 

Todas as relações nessa época — tanto as de senhor-vassalo como as de mestre-aprendiz — se estabelecem sobre a estrutura familiar. 

A vida rural, a história do nosso solo, só se explicam pelo regime das famílias que aí viveram. 

Quando se queria avaliar a importância de uma aldeia, contava-se o número de “fogos”, e não o número de indivíduos que a compunham. 

Gessate, Itália, grupo de famílias
Gessate, Itália, grupo de famílias

Na legislação, nos costumes, todas as disposições tomadas dizem respeito aos bens de família, ao interesse da linhagem, ou então estendendo esta noção familiar a um círculo mais importante — ao interesse do grupo, do corpo de ofício, que não é senão uma vasta família fundada sobre o mesmo modelo que a célula familiar propriamente dita. 

Os altos barões são antes de tudo pais de família, agrupando à sua volta todos os seres que, pelo seu nascimento, fazem parte do domínio patrimonial. 

As suas lutas são querelas de família, nas quais toma parte toda essa corte, a qual têm o cargo de defender e de administrar.

A história da feudalidade não é outra senão a das principais linhagens. 

E que será, no fim de contas, a história do poder real do século X ao século XIV? 

A de uma linhagem, que se estabelece graças à sua fama de coragem, ao valor de que os seus antepassados tinham feito prova. Muito mais que um homem, é uma família que os barões colocaram na sua liderança. 

Na pessoa de Hugo Capeto viam o descendente de Roberto, o Forte, que tinha defendido a região contra os invasores normandos; ou de Hugo, o Grande, que tinha já usado a coroa. 

De fato, é o que transparece no famoso discurso de Adalbéron de Reims: 

“Tomai por chefe o duque dos francos, glorioso pelas suas ações, pela sua família e pelos seus homens, o duque em quem encontrareis um tutor não só dos negócios públicos, mas dos vossos negócios privados”.

Porta del Castello, Itália, família camponesa
Porta del Castello, Itália, família camponesa

Esta linhagem manteve-se no trono por hereditariedade, de pai para filho, e viu os seus domínios crescerem por heranças e por casamentos, muito mais que por conquistas.

É uma história que se repete milhares de vezes na nossa terra, em diversos níveis, e que decidiu uma vez por todas os destinos da França, fixando na sua terra linhagens de camponeses e de artesãos, cuja persistência através dos reveses dos tempos criou realmente a nossa nação. 

Na base da “energia francesa” há a família, tal como a Idade Média a compreendeu e conheceu.

Não poderíamos apreender melhor a importância desta base familiar do que, por exemplo, comparando a sociedade medieval, composta de famílias, com a sociedade antiga, composta de indivíduos. 

Nesta, o varão detém a primazia em tudo: na vida pública ele é o civis, o cidadão que vota, que faz as leis e toma parte nos negócios de Estado; na vida privada, é o pater familias, o proprietário de um bem que lhe pertence pessoalmente, do qual é o único responsável, e sobre o qual as suas atribuições são quase ilimitadas. 

Em parte alguma se vê a sua família ou a sua linhagem participando na sua atividade. A mulher e os filhos estão inteiramente submetidos a ele, em relação a quem permanecem em estado de menoridade perpétua. 

Sobre eles, como sobre os escravos ou sobre as propriedades, tem o jus utendi et abutendi, o poder de usar e consumir.

A família parece existir apenas em estado latente, não vive senão pela personalidade do pai, que é simultaneamente chefe militar e grande sacerdote, com todas as conseqüências morais que daí decorrem, entre as quais é preciso colocar o infanticídio legal. 

Sant'Amatore, Itália, casal nobre
Sant’Amatore, Itália, casal nobre

A criança, na Antiguidade, era a grande sacrificada, um objeto cuja vida dependia do juízo ou do capricho paterno. 

Estava submetida a todas as eventualidades da troca ou da adoção, e quando o direito de vida lhe era concedido, permanecia sob a autoridade do pater familias até à morte deste.

Mesmo então não adquiria de pleno direito a herança paterna, já que o pai podia dispor à vontade dos seus bens por testamento.

Quando o Estado se ocupava dessa criança, não era de todo para intervir a favor de um ser frágil, mas para realizar a educação do futuro soldado e do futuro cidadão. 

Poderíamos estudar a Antiguidade — e estudamo-la de fato — sob a forma de biografias individuais: a história de Roma é a de Sila, Pompeu, Augusto; a conquista dos gauleses é a história de Júlio César.

Nada subsiste desta concepção na nossa Idade Média. O que importa então já não é o homem, mas a linhagem.

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(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge” – Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)

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