Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
“A sua palavra era trovão, era espada, era bálsamo […]. Com seu olhar de águia, mais perspicaz e mais seguro do que a visão estreita de pensadores míopes, via o mundo tal qual era, via a missão da Igreja no mundo, via com olhos de santo Pastor, o dever que lhe incumbia no seio de uma sociedade descristianizada, de uma cristandade contaminada, ou ao menos infiltrada dos erros do tempo e perversão do século” (Palavras do Papa Pio XII a respeito de São Pio X).
21 min — há 5 meses — Atualizado em: 6/4/2024, 10:16:24 AM
Audiência de São Pio X no Pátio de São Dâmaso, em 1904
A Santa Igreja celebra neste ano três importantes efemérides relacionadas a um grande Papa, que foi também um grande defensor da Fé, um grande Santo. Falamos de São Pio X. 110 anos de seu falecimento, em 20 de agosto de 1914; 80 anos da exumação de seu corpo, encontrado incorrupto, em 19 de maio de 1944; 70 anos de sua canonização por Pio XII, em 29 de maio de 1954.
O governo pontifício de São Pio X (1903-1914) foi marcado pelo profundo combate que empreendeu com inteligência e destemor contra os erros que se infiltravam na Igreja, sobretudo os erros do modernismo, heresia dissimulada e perniciosíssima para a Cristandade e com muitos traços semelhantes ao progressismo impulsionado maximamente pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), convocado por João XXIII e encerrado no Pontificado de Paulo VI.[1]
Eis que em nossos dias o progressismo (dito católico) atinge o clímax na tentativa de “modernizar” e deturpar os dogmas, o Magistério perene e as tradições católicas — tradições majestosas que tanto aborrecem os progressistas “teólogos da libertação”.
O Movimento Modernista pretendia uma reforma na Igreja sob o pretexto de uma suposta necessidade de renovações, de progresso e de seguir as leis da evolução nos costumes e até na Fé.
De uma bondade e afabilidade angelicais em relação aos filhos fiéis da Igreja, entretanto de uma firmeza e intrepidez igualmente angélicas, São Pio X primeiramente repreendeu e exortou os seguidores de tal movimento à conversão, acolheu os convertidos e depois — não obtendo o arrependimento — os condenou com vigor como um Anjo empunhando a espada de fogo da ortodoxia.
No Decreto Lamentabili sane exitu, de 3 de julho de 1907, São Pio X condenou formalmente 65 proposições modernistas relativas à natureza da Igreja, à revelação, aos sacramentos, à divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, a erros na exegese da Sagrada Escritura e na interpretação de dogmas.
Como nem com o Decreto nem com as medidas mais suaves os modernistas não se emendaram, mas continuaram arrogantes na conduta e obstinados no erro, dois meses depois o Romano Pontífice se viu obrigado a tomar medidas mais severas. Aprofundou a problemática, escrevendo sua magistral Encíclica sobre os erros do modernismo, a Pascendi Dominici Gregis, de 8 de setembro de 1907[2], que marcou profundamente os ambientes católicos e intelectuais do século XX.
Considerado como sendo um dos maiores lances na História da Igreja, o documento, redigido com ‘mão de ferro sob luvas de pelica’, fulminou a artimanha, uma verdadeira conspiração interna concebida pelo Movimento Modernista que visava debilitar a Religião Católica apresentando-a não tanto como obra divina, mas humana, ou de meras concepções filosóficas.
A fim de contestar os erros do modernismo, afirma o santo autor:
“Exige que sem demora falemos, é antes de tudo que os fautores do erro já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja, tornando-se destarte tanto mais nocivos quanto menos percebidos.
“Aludimos, Veneráveis Irmãos, a muitos membros do laicato católico e também, coisa ainda mais para lastimar, a não poucos do clero que, fingindo amor à Igreja e sem nenhum sólido conhecimento de filosofia e teologia, mas, embebidos antes das teorias envenenadas dos inimigos da Igreja, blasonam, postergando todo o comedimento, de reformadores da mesma Igreja; e cerrando ousadamente fileiras se atiram sobre tudo o que há de mais santo na obra de Cristo, sem pouparem sequer a mesma pessoa do divino Redentor que, com audácia sacrílega, rebaixam à craveira de um puro e simples homem”.[3]
São Pio X estigmatizou tal heresia como sendo a “síntese de todas as heresias”:
“Não se trata de doutrinas vagas e desconexas, mas de um corpo uno e compacto de doutrinas em que, admitida uma, todas as demais também o deverão ser. Por isso, também quisemos servir-nos de uma forma quase didática, e nem recusamos os vocábulos bárbaros, que os modernistas adotam. Se, pois, de uma só vista de olhos atentarmos para todo o sistema, a ninguém causará pasmo ouvir-Nos defini-lo, afirmando ser ele a síntese de todas as heresias”.[4]
Na citada encíclica resta evidenciado que aquele movimento articulava uma pérfida (e muito poderosa) conjuração anticatólica, organizada por pessoas muito labiosas que se apresentavam dissimuladas de católicas e davam aos “erros do Modernismo” uma aparência de verdade. Assim, iludiam mais facilmente muitos fiéis, redobrando o malefício às almas com a pregação de concepções contrárias à doutrina católica, teorias protestantizantes conformes à “reforma” revolucionária do heresiarca Matin Lutero.
"Já vimos essas ideias condenadas pelo Concílio Vaticano I [convocado pelo bem-aventurado Papa Pio IX em 1869]. Veremos ainda como, com semelhantes teorias, unidos a outros erros já mencionados, se abre caminho para o ateísmo." [5]
Abrasado com o zelo que deve ter o Vigário de Cristo na Terra, o modernismo foi fulminado como sendo uma seita dos mais perigosos inimigos da Igreja, agindo dentro d’Ela. E por essas razões seus líderes foram desmascarados, alguns excomungados e interditadas suas publicações, jornais, livros etc.
Na época, eles galgavam postos-chaves junto à hierarquia eclesiástica, elevavam-se nos púlpitos e nas cátedras, agiam tanto nos confessionários quanto nas ruas, para introduzir na Igreja a mania das novidades, os erros do mundo moderno. Eram lobos vorazes disfarçados de dóceis ovelhas para enganar os fiéis (mas incautos) católicos, além de menosprezarem as belas e seculares tradições da Igreja, sugerindo-lhes “reformas” opostas às tradições da Cristandade e à doutrina de sempre ensinada no Evangelho.
O Pontífice afirmou que os modernistas infiltraram na Igreja para mais eficazmente destruí-la, relativizando e adulterando seu ensino perene e infalível:
“Não se afastará, portanto, da verdade quem os tiver como os mais perigosos inimigos da Igreja. Estes, em verdade, como dissemos, não já fora, mas dentro da Igreja, tramam seus perniciosos conselhos; e por isto, é por assim dizer nas próprias veias e entranhas d’Ela que se acha o perigo, tanto mais ruinoso quanto mais intimamente eles a conhecem. Além de que, não sobre as ramagens e os brotos, mas sobre as mesmas raízes que são a Fé e suas fibras mais vitais, é que meneiam eles o machado”.[6]
Assim deve proceder o Bom Pastor na defesa de suas ovelhas, usando seu cajado para expulsar os lobos do redil. Referindo-se aos modernistas, o Pastor dos Pastores, com palavras da Escritura, os increpa:
“Devido ao inimigo do gênero humano, nunca faltaram homens de perverso dizer (At 20,30), vaníloquos e sedutores (Tit 1,10), que caídos eles em erro arrastam os demais ao erro (2 Tim 3,13). Contudo, há mister confessar que nestes últimos tempos cresceu sobremaneira o número dos inimigos da Cruz de Cristo, os quais, com artifícios de todo ardilosos, se esforçam por baldar a virtude vivificante da Igreja e solapar pelos alicerces, se dado lhes fosse, o mesmo reino de Jesus Cristo. Por isto já não Nos é lícito calar para não parecer faltarmos ao Nosso santíssimo dever, e para que se Nos não acuse de descuido de nossa obrigação, a benignidade de que, na esperança de melhores disposições, até agora usamos.
“Cegos, na verdade, a conduzirem outros cegos, são esses homens que inchados de orgulhosa ciência, deliram a ponto de perverter o conceito de verdade e o genuíno conceito religioso, divulgando um novo sistema, com o qual, arrastados por desenfreada mania de novidades, não procuram a verdade onde certamente se acha; e, desprezando as santas e apostólicas tradições, apegam-se a doutrinas ocas, fúteis, incertas, reprovadas pela Igreja, com as quais homens estultíssimos julgam fortalecer e sustentar a verdade (Gregório XVI, Encíclica Singulari Nos 7 julho 1834)”[7].
Logo na primeira parte deste artigo destacamos a luta do Santo Pontífice contra o Movimento Modernista. A razão se deve à grande semelhança com a luta que hoje travamos contra o progressismo. Os neomodernistas — também estes infiltrados nos ambientes (incredibile dictu,mesmo nos mais altos) da Santa Igreja — continuam a ação, e herdaram os mesmos erros daquele movimento condenado no início do século XX.
Mas o governo de São Pio X não se restringiu a esse combate para destruir os inimigos, foi também um frutuoso período de muitas construções de fortalezas espirituais visando “Restaurar o Reinado Social de Jesus Cristo”. [vide quadro no final].
No mínimo, precisaríamos de um livro para elencar os grandes lances desse glorioso Pontificado, por exemplo, seus trabalhos dedicados à reorganização do Código de Direito Canônico — depois promulgado pelo sucessor, o Papa Bento XV. Um monumento inaugurado por Pio XI, em 28 de junho de 1923, sintetiza em títulos algo do período de São Pio X no Vaticano. Na base da imagem do santo há oito painéis em bronze representando atributos primordiais daquele curto período de 11 anos:
Pelo menos de passagem, poderíamos discorrer um pouco sobre o primeiro título, “O Papa da Eucaristia”. Um dos pilares de seu Pontificado foi seu desempenho incrementando enormemente a devoção ao Santíssimo Sacramento. Ele incentivou ao máximo essa devoção, aconselhou a comunhão quotidiana e a comunhão às crianças. A tal ponto que passou para a História com a honra de tal título.
“A sagrada comunhão é o caminho mais curto e seguro para o Céu”, afirmava São Pio X. Declarou que “todos os fiéis têm liberdade de receber a sagrada comunhão com frequência e até diariamente, como é desejo de Jesus Cristo e de Sua Igreja; e que, portanto, não se deve negá-la a ninguém, que se aproxime da Sagrada Mesa em estado de graça e com reta e devota intenção”.
Certa vez uma senhora da alta sociedade perguntou ao Papa: “Que posso fazer pela Igreja de Deus?”. — “Ensinai o catecismo”, foi a sua resposta. [8]
O Santo Padre foi um apóstolo da Primeira Comunhão às crianças. Propagou em todos os países o ensino do catecismo a elas, a fim de que desde cedo conhecessem as noções elementares da doutrina católica e pudessem comungar a partir da “idade da discrição” (fase em que os pequenos alcançam a capacidade de discernir entre o certo e o errado). Para a Primeira Comunhão bastava que elas “soubessem distinguir entre o ‘Pão Eucarístico’ e o ‘pão material ordinário’”, e que se exigisse delas apenas que tivessem “certo conhecimento dos rudimentos da fé”.
O próprio Papa pessoalmente ensinava o catecismo às crianças, insistia na prática da confissão frequente e as preparava para a Primeira Comunhão. Numa dessas catequeses, recomendou-lhes que fossem “obedientes e desprendidos de vós mesmos, aplicados na oração e no estudo, diligentes para com Deus e seu santo serviço, mas principalmente assíduos na recepção dos sacramentos e na devoção à santa eucaristia, esse deverá ser o apostolado junto aos vossos companheiros”. [9]
Com seu apostolado da Sagrada Hóstia dificultou que as heresias modernistas e jansenistas se expandissem nos meios católicos. O jansenismo[10] negava a infinita misericórdia de Deus, o que diminuía a confiança n’Ele e esfriava o fervor da devoção ao Santíssimo Sacramento.
Pelo contrário, São Pio X assegurou: “A devoção à Eucaristia é a mais nobre de todas as devoções, porque tem o próprio Deus por objeto; é a mais salutar porque nos dá o próprio autor da graça; é a mais suave, pois suave é o Senhor. Se os anjos pudessem sentir inveja, nos invejariam porque podemos comungar”.
Nos primórdios da Primeira Guerra Mundial, em 20 de agosto de 1914, os grandes sinos do Vaticano anunciaram que o Santo Papa havia morrido. Uma morte um tanto suspeita e misteriosa, pois aqueles que com ele conviviam, que conheciam seu estado de saúde, não esperavam esse trágico desfecho, apesar de sua saúde debilitada e de sua enorme preocupação com os rumos que poderiam tomar a Grande Guerra que acabava de eclodir.
Contudo, os líderes modernistas pareciam esperar tal desfecho. Eles se exultaram com a morte do santo, pois assim ficavam livres para agir sem aquele obstáculo quase intransponível. Alguns autores chegam a suspeitar de uma morte “encomendada”.
O último gesto de São Pio X foi beijar um crucifixo que segurava muito devotamente. “Das mãos de seu amigo, Mons. Bressan, recebeu [São Pio X] devota e alegremente os últimos sacramentos. ‘Seja feita a vontade do Senhor, a Ele sem reservas me entrego’, foram as suas últimas palavras.
Respondia ainda às orações, que junto dele se faziam, mas a sua voz ia se enfraquecendo cada vez mais, até extinguir-se completamente. Na noite de 19 para 20 [de agosto] não lograva mais falar. Reconhecia, porém, os que o rodeavam, apertava-lhes a mão, abençoando-os. De quando em quando traçava um largo sinal da cruz. Logo depois de uma e um quarto da madrugada entregou sua nobre alma ao Criador. Era o dia 20 de agosto de 1914. Morreu como tinha vivido: tranquilo e resignado”. [11]
Três décadas após sua morte, no dia 19 de maio de 1944, exatamente há 80 anos, abriram o sarcófago de São Pio X na presença dos prelados membros do Tribunal do Processo Apostólico. Para admiração de todos, seu corpo foi encontrado incorrupto, sem que tivesse sido embalsamado — como era costume — devido a um pedido expresso dele.
Um dos presentes documentou:
“Abrindo o caixão, encontraram o corpo intacto, vestido com as insígnias papais tal como foi enterrado 30 anos antes. Sob a firme pele que cobria a face, o contorno do crânio era claramente reconhecível. As cavidades dos olhos pareciam escuras, mas não vazias; estavam cobertas pelas pálpebras muito enrugadas e afundadas. O cabelo era branco e cobria o topo da cabeça completamente. A cruz peitoral e o anel pastoral brilhavam reluzentes. Em seu último testamento, Pio X pediu especialmente que seu corpo não fosse tocado e que o tradicional embalsamamento não fosse realizado. Apesar disso, seu corpo estava excelentemente preservado. Nenhuma parte do esqueleto estava descoberta, nenhum osso exposto. Enquanto o corpo estava rígido, os braços, cotovelos e ombros estavam totalmente flexíveis. As mãos eram belas e magras, e as unhas nos dedos estavam perfeitamente preservadas”.
O fato prodigioso de seu corpo ter sido encontrado incorrupto na exumação, e assim permanecer até hoje, o que pode representar para nós? — Além de um evidente grande milagre, poder-se-ia dizer que se trata de símbolo de um Pontificado que combateu todo tipo de corrupção e um sinal de Deus de que o ensinamento desse seu Vigário na Terra foi sempre fundamentado na doutrina incorruptível da Santa Igreja de Deus.
Na lápide de seu sarcófago original, uma modesta inscrição foi gravada:
“Papa Pio X, pobre e contudo rico, manso e humilde de coração, defensor invicto da fé católica, desejoso de instaurar tudo em Cristo, falecido piedosamente aos 20 de agosto do ano do Senhor de 1914”. [12]
Por ocasião da beatificação do Santo Pontífice (3 de junho de 1951), o Papa Pio XII falou da virtude da fortaleza e da arguta percepção dos acontecimentos; grandes dons que a Providência Divina prodigalizou a seu santo predecessor:
“A sua palavra era trovão, era espada, era bálsamo: comunicava-se intensamente a Vida a Igreja e tinha eficácia para ser ouvida fora e ao longe; vinha cheia de irresistível vigor, graças não só à substância incontestável do conteúdo, como também ao seu profundo e penetrante calor. Sentia-se nela arder a alma de um Pastor que vivia em Deus e de Deus, sem outro fim senão conduzir a Ele os seus cordeiros e as suas ovelhas […].
“Com seu olhar de águia, mais perspicaz e mais seguro do que a visão estreita de pensadores míopes, via o mundo tal qual era, via a missão da Igreja no mundo, via com olhos de santo Pastor, o dever que lhe incumbia no seio de uma sociedade descristianizada, de uma cristandade contaminada, ou ao menos infiltrada dos erros do tempo e perversão do século.
“Iluminado pela claridade da verdade eterna, guiado por uma consciência delicada, lúcida, de rígida firmeza, tinha ele, frequentemente acerca do dever do momento e das resoluções a tomar, intuições cuja exatidão perfeita desconcertava os que não eram dotados das mesmas luzes”. [13]
Três anos depois, o mesmo Papa Pio XII declarou à multidão na Praça de São Pedro, lotada para assistir a canonização de São Pio X, em 29 de maio de 1954:
“A santidade, que se revela inspiração e guia dos empreendimentos de Pio X, brilhou ainda mais fulgurantemente nas suas ações quotidianas. Foi primeiro em si mesmo que realizou, antes de realizá-lo nos outros. Seu programa: reunir tudo, reconduzir tudo à unidade em Cristo. Como humilde pároco, como bispo, como Sumo Pontífice, esteve sempre convencido de que a santidade à qual Deus o destinou era a santidade sacerdotal. Que santidade pode de fato agradar mais a Deus por parte de um sacerdote da nova Lei, senão aquela que convém a um representante do Supremo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo, Aquele que deixou à Igreja a memória contínua, a renovação perpétua do sacrifício da Cruz na Santa Missa, até que Ele venha para o julgamento final; Aquele que mediante o sacramento da Eucaristia se entregou como alimento para as almas: ‘Quem comer deste pão viverá para sempre’?” [14]
Neste ano em que se comemora o centésimo décimo aniversário do passamento de São Pio X da Terra para o Céu; o octogésimo de sua exumação e o septuagésimo de sua canonização, desejaríamos que inúmeras homenagens oficiais da Santa Igreja lhe fossem prestadas. Entretanto, com muita dor e tristeza, somos obrigados a reconhecer que nosso desejo certamente não será realizado. Por quê?
Infelizmente, como é de conhecimento de nossos leitores — e sobre isso nunca é suficiente insistir —, retomando o mesmo processo iniciado pelos modernistas, a Igreja passa por um misterioso processo de autodemolição “golpeada também pelos que d’Ela fazem parte”, e que Ela “atravessa hoje um momento de inquietação. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a autodemolição”, como confessou Paulo VI em alocução aos alunos do Seminário Lombardo, em 7 de dezembro de 1968. [15]
Quatro anos depois, o mesmo Paulo VI confirmou, na Alocução Resistite fortes in fide,que “por alguma fissura tenha penetrado a fumaça de Satanás no templo de Deus”. [16]
Transcorridos 110 anos do final de um Pontificado que barrou a entrada da “fumaça de satanás” — a “autodemolição” em sua época —, vemos que os neomodernistas escancaram as janelas e as portas do Templo de Deus para a entrada da fumaça diabólica.
Eles parecem levar a Igreja ao paroxismo no processo de autodemolição com o estabelecimento de uma “nova-igreja”, na qual no próprio Vaticano se cultuou um ídolo pagão, a Pachamama, que nada tem a ver com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana como instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas, apesar de tudo, d’Ele temos assegurada, desde os primórdios da Igreja, a vitória final, quando prometeu que “portae inferi non praevalebunt” — as portas do inferno não prevalecerão.
O atual e sinistro mar de demolições no qual navega a Barca de Pedro, parecendo naufragar de um momento para outro, não nos mete medo. Pelo contrário, nos dá mais coragem para continuar a navegação, para lutar ainda mais pela completa realização do lema de São Pio X no sentido da plena restauração da Igreja e do Mundo, o que se alcançará com o Reinado do Imaculado Coração de Maria, como profetizado em Fátima em 1917.
Que São Pio X, o grande Papa Defensor da Fé, interceda do Céu por nós, e obtenha que Deus envie seus Anjos para colocarem freio nesse processo revolucionário universal, antecipem o desmantelamento dos inimigos da Igreja, e realizem o quanto antes o nosso pedido, feito diariamente no Pai-Nosso: “Venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu”.
Nascido em Riese (Lombardia) no dia 2 de junho de 1835, Giuseppe Melchiorre Sarto — assim se chamava o futuro Papa São Pio X — foi sucessivamente Vigário em sua cidade natal, Cônego em Treviso, Bispo de Mântua e Patriarca de Veneza. Eleito Papa no dia 4 de agosto de 1903, foi o 257º Sumo Pontífice da Santa Igreja Católica. Exerceu seu glorioso Pontificado até seu último dia nesta terra de exílio, que deixou aos 79 anos, em 20 de agosto de 1914. Pio XII o beatificou em 3 de junho de 1951 e o canonizou exatamente há 70 anos, em 29 de maio de 1954.
"Instaurare omnia in christo” (restaurar todas as coisas em Cristo) era o dístico do seu pontificado e resumo de seu prodigioso empenho: restaurar o reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Era a principal solução que indicava o santo padre: “Se alguém pedir uma palavra de ordem, sempre daremos esta e não outra: restaurar todas as coisas em Cristo”.
Objetivo que definiu claramente com suas indefectíveis palavras expressas na encíclica notre charge apostolique*, de 25 de agosto de 1910:
“Devemos repetir com toda energia nestes tempos de anarquia social e intelectual, quando cada um se faz passar por mestre e legislador: a cidade não pode ser edificada de outra forma senão como deus a construiu; a sociedade não pode ser estabelecida a menos que a igreja estabeleça as bases e supervisione o trabalho; não, a civilização não é algo a ser inventado, nem a cidade nova para ser construída nas nuvens; ela existiu e ainda existe: é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de ser instaurada e restaurada continuamente contra os ataques incessantes de utópicos insanos, revoltados e malfeitores. Omnia instaurare in christo”.
(*) https://www.papalencyclicals.net/pius10/p10notre.htm
1. O Concílio Vaticano II foi classificado por Plinio Corrêa de Oliveira como “uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja”. “O êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo. […] Seu silêncio sobre o comunismo deixou aos lobos toda a liberdade. A obra desse Concílio não pode estar inscrita, enquanto efetivamente pastoral, nem na História, nem no Livro da Vida. É penoso dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste sentido, o Concílio Vaticano II como uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja. A partir dele penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a “fumaça de Satanás”, que se vai dilatando dia a dia mais, com a terrível força de expansão dos gases. Para escândalo de incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo entrou no sinistro processo da como que autodemolição”. (Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Editora Artpress, São Paulo, Parte III, capítulo II, 4, A, pp. 166-168).
2. A respeito da monumental Encíclica Pascendi Dominici Gregis, Catolicismo publicou uma série de três artigos de seu principal colaborador, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Artigos que os leitores podem conferir na edição de setembro/2007.
3. Os trechos aqui transcritos (entre aspas) da Encílica Pascendi Dominici Gregis foram extraídos como publicados no site oficial do Vaticano, disponíveis no link: https://www.vatican.va/content/pius-x/pt/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html
4. Ibid.
5. Ibid.
6. Ibid.
7. Ibid.
8. Constantino Kempf S.J., A Santidade da Igreja, oitava edição do original alemão, Edição da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1936, p. 25.
9. Ibid. p. 26.
10. Heresia que constituiu uma corrente semiprotestante no interior da Igreja. Era de um rigorismo hirto e despropositado. Tal heresia, uma das mais perniciosas da História da Igreja, foi instituída pelo holandês Cornélio Jansênio, bispo de Ypres (1636). Este negava a infinita misericórdia de Deus e defendia a predestinação. Infectou grande parcela de bispos, sacerdotes e leigos na França e em outros países da Cristandade. A heresia jansenista foi condenada por diversos Papas, entre os quais Inocêncio X, na bula papal Cum occasione (1653). Mesmo assim, a heresia projetou-se nos séculos XVIII e XIX, e só foi debelada quando São Pio X publicou o decreto favorecendo a comunhão frequente.
11. Constantino Kempf S.J., op. cit. p. 27.
12. Ibid. p. 23.
13. Breve por ocasião da Beatificação de Pio X, Documentos Pontifícios, n° 83, Vozes, 1958, 2ª edição.
14. https://www.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1954/documents/hf_p-xii_spe_19540529_pio-x.html
15. Em alocução aos alunos do Seminário Lombardo, no dia 7 de dezembro de 1968, Paulo VI afirmou que “a Igreja atravessa hoje um momento de inquietação. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a autodemolição. É como uma perturbação interior, aguda e complexa, que ninguém teria esperado depois do Concílio. Pensava-se num florescimento, numa expansão serena dos conceitos amadurecidos na grande assembleia conciliar. Há ainda este aspecto na Igreja, o do florescimento. Mas, posto que bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu, fixa-se a atenção mais especialmente sobre o aspecto doloroso. A Igreja é golpeada também pelos que d´Ela fazem parte” (cfr. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. VI, p. 1188).
16. Cfr. Alocução “Resistite fortes in fide” (29 de junho de 1972), Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X, p. 707.
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