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Plinio Corrêa de Oliveira
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Maçã envenenada


Maçã é ótimo. An apple a day keeps the doctor away, garante velho brocardo inglês. Se podre, pode intoxicar, até matar. Vou falar sobre leilão de privatização, realizado na Brasil, Bolsa, Balcão (B3) em São Paulo. Dele se gabou o presidente Michel Temer no twitter (27 de setembro): “Nós resgatamos definitivamente a confiança do mundo no Brasil. Leilão das usinas da Cemig rendeu R$12,13 bilhões, acima das expectativas do mercado.”

Não vejo motivos para gabolices. Podem ser passos rumo ao abismo. Privatização? O governo passou à iniciativa privada (iniciativa privada?) quatro usinas da CEMIG (Companhia Energética de Minas). São concessões por 30 anos, prorrogáveis. Com isso, a estatal mineira perdeu 36% de sua capacidade de geração.

A maior delas, a usina São Simão, tem potência instalada de 1.710 megawatts (58% do total oferecido). A seguir, a Jaguara, 424 (15%), a Miranda, 408 (14%), e finalmente a Volta Grande, 380 megawatts (13%). O maior lance, é natural, foi para a Usina de São Simão: 7,2 bilhões de reais, ágio de 6,51%. Arrematou-a o grupo chinês SPIC Pacific Energy, uma estatal com 140 mil empregados. Lembro o óbvio: esse grupo é dirigido pelo governo e Partido Comunista Chinês. Num só lance, o PCC passou a controlar 21% da anterior capacidade de geração da CEMIG. Não pode ser diferente, pois o grupo SPIC vai atuar no Brasil em consonância com os interesses do governo e do Partido Comunista da China.

Todos estão enxergando: o setor elétrico no Brasil vai caindo sob um pesado silêncio no colo dos comunistas chineses (não só o setor elétrico, os tentáculos vão bem além dele). Voz isolada, mais de um ano atrás a jornalista Maria Luíza Filgueiras alertou na revista Exame“A bagunça causada pelo governo Dilma e a crise da Lava-Jato estão entregando, de mão beijada, o setor elétrico brasileiro para um grupo de estatais chinesas.”

Em geral, a investida do comunismo chinês sobre setores da infraestrutura brasileira vem sendo acobertada entre nós por um mantra: aplicações de investidores estrangeiros. Pululam na imprensa manchetes sobre tais aplicações. Soa simpático. À vera, age como bruxedo aliciador e embusteiro, por ocultar cavilosamente um ponto essencial: o poder na China é imperialista, totalitário, coletivista e ateu. Pelo menos em uma coisa somos campeões: no emprego de eufemismos irresponsáveis e covardes.

A Jaguara foi arrematada pelo Consórcio Engie Brasil Energia S.A e Engie Brasil Energia Comercializadora por 2,2 bilhões de reais, ágio de 14%. A Engie é um conglomerado francês. Segundo o site do grupo, 28,65% do seu capital pertence ao Estado, que tem 36,68% dos votos. É acionista determinante, informa a imprensa francesa. A Miranda também foi arrematada pela Engie por 1,4 bilhão de reais, ágio de 22%.

A Volta Grande, por 1,4 bilhão de reais, ágio de 10%, ficou com a Enel, italiana, da qual o Ministério da Economia e Finanças detém 21% das ações.

Continuo no setor elétrico. Wilson Ferreira Junior, presidente da Eletrobras, especializada desde décadas em dar prejuízos amazônicos aos contribuintes brasileiros, foco do próximo escândalo (o eletrolão, se começarem a investigar o setor), anuncia enérgicos planos de recuperação. A estatal, que além dos prejuízos estratosféricos gera mais de 30% da eletricidade no Brasil e detém 47% de sua rede de distribuição, está agora combatendo a elefantíase que a acomete desde o nascimento, mais de 50 anos atrás. Cortou 700 cargos de gerentes (com isso melhorou a gerência da empresa). Tinha 11 softwares de gestão, vai reduzir a um. Avisa Ferreira Júnior: “Para a contratação do sistema operacional único, nós levamos oito meses, enquanto uma empresa privada faz isso em dois.” E vai adiante: “Vendemos a Celg com 28% de ágio e as outras seis empresas de distribuição serão vendidas até o fim do ano. E temos 74 sociedades de propósito especifico à venda, sendo que 58 delas são de energia eólica, e o restante, de transmissão. As vendas vão fazer com que a dívida da Eletrobras caia 6 bilhões de reais, para 17 bilhões.” Sobre as distribuidoras, constatou: “Geram prejuízos, empregam 6 mil pessoas.” Imagina o futuro: “A Eletrobras é uma holding que tem quatro ativos principais: Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul. Acredito na transformação da Eletrobras numa empresa brasileira como a Embraer. O governo não seria mais o controlador.” Alerto agora eu: com base no que vem acontecendo, a China comunista vai ficar com parte importante desses ativos.

A privatização de si é ótima: traz racionalidade de custos, produtividade, competitividade, melhores serviços aos usuários. Diminui o poder do Estado sobre o cidadão, acaba com rombos orçamentários que pesam no cangote do contribuinte. Permite que o dinheiro público poupado da ineficiência, gastança e corrupção seja empregado em escolas, postos de saúde, tanta coisa mais. Lembro ainda: aumenta riquezas, gera renda, cria empregos. Bastaria o exemplo do setor da telefonia no Brasil. Nada disso coloco em tela de juízo. E nem proponho políticas nacionalistas, reservas de mercados, fechamentos ao capital estrangeiro.

Só destaco o óbvio ululante: inscientes (o mínimo), estamos criando gravíssimo problema de segurança nacional com a entrega a potências estrangeiras — mais especificamente ao comunismo chinês — de setores-chave da economia nacional, em geral infraestrutura. Segurança nacional é irmã gêmea de independência nacional.

Todos estão vendo a China erguer-se hoje cada vez mais como o grande adversário dos Estados Unidos, e o Brasil, se não acordar, caminha para ser peão chinês desse jogo. Coerentemente, também não vejo com tranquilidade estatais de outros países gerindo parte importante da riqueza nacional. Elas são instrumentos de governos que vão e vêm segundo eleitorados instáveis. Privatizar deveria significar o que é: entrada do capital privado, nacional ou estrangeiro, em setores antes controlados pelo Estado.

Estamos diante de indiferença suicida, anestesiadas misteriosamente as fibras do patriotismo e da religião. Em 1453 caiu Constantinopla. Ainda havia resistência na cidade sitiada, mas, dizem os historiadores, os bizantinos deixaram por descuido o portão da muralha noroeste semiaberto. Por lá entrou um destacamento otomano e decidiu a batalha. Temamos portões deixados abertos por descuidos, otimismos e superficialidades.

 

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Péricles Capanema

Péricles Capanema

184 artigos

Analista político e colaborador do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

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