Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
Ela eclode dentro da própria Igreja Católica com o chamado “Sínodo Mundial sobre a Sinodalidade”. Livro publicado recentemente explica o processo que está em jogo na tentativa de subverter totalmente a Santa Igreja.
26 min — há 11 meses — Atualizado em: 10/30/2023, 11:56:18 AM
Destruição da Santa Igreja
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 874, Outubro/2023
Desejaríamos que esta edição fosse especial, com aproximadamente o dobro de páginas, para estamparmos na íntegra um livro recém-lançado: O processo sinodal, uma caixa de Pandora — 100 perguntas e 100 respostas.
Como as condições financeiras de Catolicismo não o permitem, oferecemos aos nossos leitores excertos dessa extraordinária obra, escrita em formato de catecismo pelos jornalistas Julio Loredo de Ízcue e José Antonio Ureta Zañartu — ambos colaboradores de Catolicismo, o primeiro na Itália e o segundo na França.
Esse livro — cuja íntegra em nossa língua pode ser obtida por meio do link abaixo* — já foi publicado em português, alemão, espanhol, francês, holandês e inglês. Ele está sendo enviado gratuitamente a todos os Bispos do mundo e a milhares de sacerdotes e religiosos. O lançamento é organizado pelas associações TFP (Tradição Família Propriedade) e suas co-irmãs em vários países, incluindo, no Brasil, o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira.
Não existe assunto mais importante e atual, porquanto essa obra analisa o Sínodo Mundial sobre a Sinodalidade iniciado no dia 4 do corrente mês no Vaticano, com outras sessões marcadas para outubro do próximo ano.
Se o Sínodo alemão, organizado pelo setor mais esquerdista do clero germânico, está sendo catastrófico no sentido de indicar novos parâmetros e rumos para a vida da Igreja, o que será desse Sínodo Mundial? As perspectivas são as mais sombrias, pois se fala até em mudar a doutrina secular da Santa Igreja Católica, o que poderá acelerar o seu processo de “autodemolição”.
Além dos excertos da obra, publicamos também o prefácio do Cardeal Raymond Leo Burke, no qual ele atrai nossa atenção para algo assustador: a possibilidade de ocorrer um cisma. Nessa mesma linha, de tentativa de destruição da Igreja, já havia alertado o Cardeal Gerhard Müller.
Da Redação de Catolicismo
16 de junho de 2023
Festa do Sagrado Coração de Jesus
Meus sinceros parabéns pela publicação de Il processo sinodale, un vaso di Pandora: Cento domande e cento risposte, que trata de forma clara e abrangente uma situação muito séria na Igreja de hoje. É uma situação que, com razão, preocupa todos os católicos conscientes e pessoas de boa vontade, os quais constatam o dano evidente e grave que está sendo infligido ao Corpo Místico de Cristo.
Dizem-nos que a Igreja que professamos como sendo Una, Santa, Católica e Apostólica, em comunhão com nossos antepassados na fé desde o tempo dos Apóstolos, será agora redefinida pela sinodalidade — um termo sem antecedente na doutrina da Igreja, e para o qual não há definição razoável. A sinodalidade e seu adjetivo [sinodal] tornaram-se slogans por meio dos quais uma revolução está em curso, para mudar radicalmente a compreensão que a Igreja tem de si, de acordo com uma ideologia contemporânea que nega muito do que a Igreja sempre ensinou e praticou. Não se trata de uma questão puramente teórica, pois esta ideologia já foi colocada em prática há alguns anos na Igreja na Alemanha, espalhando amplamente a confusão, o erro e seu fruto, a divisão — na verdade, o cisma —, prejudicando gravemente muitas almas. Com o iminente Sínodo sobre a Sinodalidade, é de se temer, com razão, que a mesma confusão, erro e divisão se abatam sobre a Igreja universal. Na verdade, isso já começou a acontecer, por meio da preparação do Sínodo em nível local.
Somente a verdade de Cristo, conforme nos é transmitida pela doutrina e disciplina imutáveis e inalteráveis da Igreja, pode lidar eficazmente com essa conjuntura, desmascarando sua ideologia oculta, corrigindo a confusão, o erro e a divisão mortais que ela está propagando. E os membros da Igreja devem ser por Ela incentivados a empreender a verdadeira reforma, ou seja, a conversão diária a Cristo, que está vivo para nós nos ensinamentos da Igreja, em sua oração e adoração e em sua prática das virtudes e da disciplina.
Por meio de uma série de 100 perguntas e respostas, a obra Il processo sinodale, un vaso di Pandora lança a luz de Cristo, a verdade de Cristo, sobre a situação atual mais preocupante da Igreja. O estudo das perguntas e respostas ajudará os católicos sinceros a serem “cooperadores em favor da Verdade” de Cristo (3 Jo 8), como todos os membros da Igreja são chamados a ser; e, portanto, agentes da renovação da Igreja em nosso tempo, fiéis à Tradição Apostólica.
Agradeço a todos que trabalharam de forma tão diligente e excelente para formular as perguntas apropriadas e fornecer respostas idôneas. Espero que o fruto deste trabalho seja acessível aos católicos de todo o mundo, para a edificação da Igreja, como nos ensina São Paulo:
Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo.
Suplicamos, por intercessão e sob os cuidados da Bem-aventurada Virgem Maria — a Virgem Mãe de Nosso Senhor, que Ele nos deu na Igreja como nossa Mãe (cf. Jo 19, 26-27) — que sejam evitados os graves danos que atualmente ameaçam a Igreja, para que, fiel a Nosso Senhor, nossa única salvação, ela possa cumprir sua missão no mundo.
Com o mais profundo afeto e estima paternal, sou devotamente seu, no Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria,
Raymond Leo Cardeal Burke
O Papa Francisco “está preparando para 2024 sua maior reforma: a da ‘sinodalidade’. Ele espera transformar a Igreja de uma estrutura piramidal, centralizada e clericalizada em uma comunidade mais democrática e descentralizada
Sob o título “Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão”, o Papa Francisco convocou um “Sínodo sobre a Sinodalidade” em Roma. Será a 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.
O debate sobre o próximo Sínodo permaneceu em grande parte restrito aos “iniciados”. O público em geral sabe pouco a respeito. Este livro tem o objetivo de preencher essa lacuna, explicando em termos simples o que está em jogo.
O Sínodo é apresentado como um divisor de águas na história da Igreja; e, em particular, do atual pontificado. O Papa Francisco “está preparando para 2024 sua maior reforma: a da ‘sinodalidade’. Ele espera transformar a Igreja, de uma estrutura piramidal, centralizada e clericalizada, em uma comunidade mais democrática e descentralizada” — escreveu o vaticanista Jean-Marie Guénois.[1]
Entre os defensores mais radicais da “conversão sinodal” da Igreja se encontra a maioria dos bispos alemães. Seu próprio “caminho”, o Synodaler Weg, concentra e relança as exigências mais extremas do progressismo alemão.
Para os seus promotores, o Weg deve servir de modelo e força motriz para o sínodo universal. O Cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, afirma:
Eles sonham com outra Igreja que nada tem a ver com a fé católica. (…) e procuram abusar desse processo para levar a Igreja Católica, não apenas em outra direção, mas à destruição da Igreja Católica.
Diante de quadro tão sombrio, muitos católicos se sentem perdidos, desanimados, confusos, perplexos e decepcionados, mas nem todos reagem de modo adequado. Alguns cedem à tentação do sedevacantismo: abandonam a Igreja para se tornarem autorreferenciais. Outros sucumbem à tentação da apostasia: abandonam a Igreja para abraçar falsas confissões. A maioria se afunda na indiferença, abandonando a Igreja a seu triste destino. Ora, todos estão errados, pois amicus certus in re incerta cernitur. Exatamente agora a Santa Igreja precisa de filhos amorosos e destemidos, para defendê-la de seus inimigos externos e internos.
Exprimindo o desejo de que o Povo de Deus fosse consultado na preparação das assembleias sinodais, o Papa propôs um plano para criar uma “Igreja sinodal” baseada nesta premissa: o Povo de Deus, graças ao senso sobrenatural da fé (sensus fidei), não pode se enganar (é infalível in credendo) e tem um “faro” para descobrir os caminhos que o Senhor indica à sua Igreja. A Igreja sinodal comportaria uma escuta recíproca entre o povo fiel, o colegiado episcopal e a Sé de Roma para saber o que o Espírito Santo “diz às igrejas” (Ap 2,7). Para isso, todos os órgãos eclesiais nas paróquias, dioceses e Cúria Romana devem ficar conectados à base e partir sempre “do povo, dos problemas do dia a dia”.[3]
A Constituição Apostólica Episcopalis communio dividiu o Sínodo em três fases: a fase preparatória, de consulta ao povo de Deus; a fase celebrativa, ou seja, a reunião dos bispos em assembleia; e a fase operativa, na qual as conclusões da Assembleia, aprovadas pelo Papa, devem ser aceitas por toda a Igreja.
Segundo o Papa Francisco, os bispos são ao mesmo tempo mestres e discípulos. Mestres quando anunciam “a Palavra de verdade em nome de Cristo, cabeça e pastor”. Mas são também discípulos quando, “sabendo que o Espírito desce a cada pessoa batizada, ele ouve a voz de Cristo que fala por meio de todo o povo de Deus”.[4] Assim, o Sínodo se torna um instrumento adequado para dar voz a todo o povo de Deus por meio dos bispos.
Essa escuta de toda a comunidade implica uma reformulação da autoridade na Igreja. De acordo com o Papa Francisco, é preciso inverter a estrutura piramidal da Igreja: “nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base”.[5]
Segundo o cardeal Mario Grech, secretário do Sínodo, Francisco “forneceu um modelo vivo e estimulante da imagem da ‘pirâmide invertida’ da autoridade hierárquica (…). Como Amanda C. Osheim observa corretamente: ‘conceber a autoridade hierárquica como uma pirâmide invertida abate uma antiga concepção piramidal da Igreja, uma economia eclesial de gotejamento na qual o Espírito Santo era dado primeiro ao Papa e aos sacerdotes, depois ao clero e aos religiosos e, finalmente, aos fiéis (…). Essa pirâmide, na verdade, dividia a Igreja em Igreja docente (ecclesia docens) e Igreja discente (ecclesia discens). Ao inverter a pirâmide, a analogia de Francisco redefine a autoridade como dependente da aceitação, escuta e aprendizado de outros dentro da Igreja’”.[6]
No Vademecum, a palavra escutar aparece 102 vezes. Refere-se à voz dos fiéis 83 vezes, mas somente 19 vezes à Palavra de Deus.
Em entrevista publicada no site do Vaticano, o Cardeal Mario Grech declarou: “Ao ouvir o povo de Deus — é para isso que serve a consulta nas Igrejas particulares — sabemos que podemos ouvir o que o Espírito está dizendo à Igreja. Isso não significa que é o povo de Deus que determina o caminho da Igreja. À função profética de todo o povo de Deus (incluindo os pastores) corresponde a tarefa de discernimento dos pastores: a partir do que o povo de Deus diz, os pastores devem captar o que o Espírito quer dizer à Igreja. Mas é a partir da escuta do povo de Deus que o discernimento deve começar”.[7]
Sim. Não há dúvida de que um bom pastor deve ouvir suas ovelhas para entender sua situação espiritual e suas aspirações. Entretanto, hoje a “escuta” significa a obrigação de estar em sintonia com as ovelhas. O critério de avaliação deixa de ser a Verdade revelada e a retidão de consciência, e passa a ser a aceitação das aspirações dos fiéis.
Na perspectiva moderna de “escuta”, a Igreja deixa de ser a Mãe e Mestra que transmite os ensinamentos de Cristo pela voz de seus pastores (Quem vos ouve a vós, a mim me ouve – Lc 10,16), e se torna uma Igreja que escuta, dialoga e se questiona, sem hesitar em discutir verdades consideradas indiscutíveis.[8] Diz o Vademecum: “Escutar é o primeiro passo, mas precisa de uma mente e de um coração abertos, sem preconceitos”.[9] E acrescenta: “O primeiro passo para escutar é libertar a nossa mente e o nosso coração dos preconceitos e estereótipos”.[10] Mais adiante, comemora: “O Processo Sinodal dá-nos a oportunidade de nos abrirmos à escuta de forma autêntica, sem recorrer a respostas prontas ou a julgamentos pré-formulados”.[11]
Deve-se notar que, no texto citado, o Cardeal Grech afirma que o discernimento de um bispo não consiste em verificar se o que o povo de Deus diz coincide com o que ensina a Revelação, mas o contrário: trata-se de entender o que o povo diz, e depois considerá-lo como palavras do Espírito Santo.
A Igreja Católica sempre ensinou o contrário. Tomando como base as verdades da fé conhecidas por meio da Revelação e da Tradição, Ela as aplicou à vida concreta, de acordo com as circunstâncias de tempo e lugar, a fim de iluminar e guiar as almas à sua eterna salvação. O Sínodo sobre a sinodalidade tende a fazer o oposto: partir de situações concretas para elaborar uma política pastoral e uma disciplina adequada. Tal método pressupõe uma concepção “historicista”, que não parte da Verdade revelada, mas de uma situação histórica concreta à qual a Igreja deve se adaptar.
Os organizadores do Sínodo pedem que todos sejam ouvidos, incluindo os ateus: “Juntos, todos os batizados são o sujeito do sensus fidelium, a voz viva do Povo de Deus. Ao mesmo tempo, para participar plenamente no ato de discernimento, é importante que os batizados escutem a voz de outras pessoas do seu contexto local, incluindo pessoas que abandonaram a prática da fé, pessoas de outras tradições de fé, pessoas sem crença religiosa etc. (…). Devemos chegar pessoalmente às periferias, às pessoas que abandonaram a Igreja, que raramente ou nunca praticam a sua fé, que estão em situação de pobreza ou de marginalização, aos refugiados, aos excluídos, às pessoas que não têm voz etc.”[12]
Não. Seria uma manipulação blasfema. Mons. Robert Mutsaerts, bispo auxiliar de Bois-le-Duc, na Bélgica, afirma: “Até o momento, o processo sinodal mais se parece com um experimento sociológico, e tem pouco a ver com a ideia de que o Espírito Santo far-se-ia ouvir em meio a tudo isso. Poder-se-ia mesmo falar em blasfêmia. O que se torna cada vez mais claro é que o processo sinodal será usado para alterar uma série de posições da Igreja, apoiando-se no Espírito Santo como escudo, muito embora, na realidade, o Espírito Santo tenha inspirado o contrário disso ao longo dos séculos”.[13]
O Vademecum insiste na necessidade de fazer “todos os esforços possíveis para envolver as pessoas que se sentem excluídas ou marginalizadas” (p. 11). Quase se poderia dizer que o documento manifesta uma ‘opção preferencial’ pelas minorias: “A síntese deve prestar especial atenção às vozes daqueles que muitas vezes não são ouvidos, e integrar aquilo a que poderíamos chamar o ‘relatório minoritário’. O feedback não deve sublinhar apenas experiências positivas, mas deve trazer à luz também experiências desafiantes e negativas” (p. 21). “Não se deve excluir pontos de vista só porque foram expressos por uma pequena minoria de participantes. De fato, por vezes a perspectiva do que poderíamos chamar o ‘relatório da minoria’ pode ser uma testemunha profética do que Deus quer dizer à Igreja” (p. 41).
Sim. Quase todos os documentos que concluem as etapas continentais da jornada sinodal (Sínteses Continentais) mencionam explicitamente que foi tomado um cuidado especial para consultar as “minorias marginalizadas”.
Por exemplo, lê-se na Síntese norte-americana: “Na Assembleia Continental, bem como em nossos relatórios nacionais, houve um profundo desejo de maior inclusão e acolhimento na Igreja. De fato, um dos principais fatores observados que rompem a comunhão foi a experiência de muitos de que certas pessoas ou grupos não se sentem bem-vindos na Igreja. Os grupos citados durante a Etapa Continental incluíam mulheres, jovens, imigrantes, minorias raciais ou linguísticas, pessoas LGBTQ+, pessoas divorciadas e recasadas sem anulação, e pessoas com diferentes graus de habilidades físicas ou mentais” (n. 26).[14]
Não. De acordo com a doutrina que inspira o Sínodo sobre a sinodalidade, conforme explicado em páginas anteriores, o “Povo de Deus” como um todo deveria ser consultado como sendo infalível in credendo (em sua crença). Porém, somente poucas minorias foram chamadas a participar no processo consultivo do Sínodo. Coincidentemente ou de propósito, eram minorias progressistas já empenhadas em reformar a Igreja.
Por exemplo, a Conferência Episcopal Francesa informou que “mais de 150.000 pessoas se mobilizaram para contribuir com reflexões sobre o Sínodo de 2023”.[15] Isso representa apenas 3,47% dos fiéis que vão à missa dominical, ou 0,35% de todos os católicos na França.
Um documento do Sínodo Nacional da Igreja Católica Espanhola afirma: “14.000 grupos sinodais participaram na Espanha, envolvendo mais de 215.000 pessoas, em sua maioria leigos, mas também consagrados, religiosos, padres e bispos”.[16] Isso representa apenas 7,7% dos fiéis que vão à missa dominical, ou 0,77% dos católicos.
Esses números são consistentes em quase todos os países: na Áustria, 1,04% dos católicos participaram; na Bélgica, 0,54%; na Irlanda, 1,13%; na Inglaterra, 0,79%; na América Latina, 0,21%; até mesmo na Polônia, país mais católico, a participação foi de apenas 0,58%.[17] Na Alemanha, uma iniciativa on-line em apoio ao Synodaler Weg (Caminho Sinodal) coletou apenas 12.000 assinaturas.[18] O país tem 21,6 milhões de católicos.
O Padre Gerald E. Murray, notável canonista e analista religioso americano, observa :
Está claramente ocorrendo uma revolução na Igreja hoje, uma tentativa de nos convencer de que a aceitação da heresia e da imoralidade não é um pecado, mas sim uma resposta à voz do Espírito Santo, que se expressa por meio de pessoas que se sentem marginalizadas por uma Igreja que, até agora, tem sido infiel à sua missão.
Apesar da importância que o processo sinodal atribui à “inclusão”, nenhum documento oficial define esse termo. Pareceria que, sendo o objetivo da sinodalidade “caminhar juntos”, a humanidade toda deve participar dessa jornada, sem excluir ninguém.[19]
Embora esse termo seja frequentemente usado como sinônimo de “integração”, há uma diferença importante, pois “a integração implica a adaptação dos indivíduos às características do ambiente”; enquanto a inclusão “baseia-se na adaptação de normas, políticas e realidades sociais, para permitir a integração de todos os membros da sociedade de forma diversificada”.[20] Ou seja, em nome da diversidade sacrificar a identidade coletiva, para aceitar todos “como são”.
Sim. De acordo com os promotores do Sínodo, o caminho para uma maior inclusão se “inicia com a escuta e exige uma mais ampla e profunda conversão das atitudes e das estruturas”.[21] “Esta conversão traduz-se também numa contínua reforma da Igreja, das suas estruturas e do seu estilo”.[22] Um dos principais objetivos do processo sinodal, segundo o Vademecum, é “renovar as nossas mentalidades e as nossas estruturas eclesiais”,[23] o que “exigirá naturalmente uma renovação das estruturas a vários níveis da Igreja”.[24]
O Padre Gerald E. Murray, notável canonista e analista religioso americano, observa corretamente que a “inclusão” dessas “minorias marginalizadas” teria como consequência imediata “a rejeição de ensinamentos que contradizem as crenças e desejos daqueles que se encontram em segundos “casamentos” adúlteros, homens com duas, três ou mais esposas, homossexuais e bissexuais, pessoas que creem não pertencer ao seu sexo de nascimento, mulheres que querem ser ordenadas diaconisas e sacerdotes, leigos que querem ter a autoridade dada por Deus a bispos e sacerdotes”. E conclui: “Está claramente ocorrendo uma revolução na Igreja hoje, uma tentativa de nos convencer de que a aceitação da heresia e da imoralidade não é um pecado, mas sim uma resposta à voz do Espírito Santo, que se expressa por meio de pessoas que se sentem marginalizadas por uma Igreja que, até agora, tem sido infiel à sua missão”.[25]
A dinâmica da corresponsabilidade deve permear “todos os níveis da vida da Igreja”.
As Conferências Episcopais, “na sua colegialidade e liberdade de decisão, isenta de qualquer tipo de pressão, deveriam incluir nos debates e encontros, em nome da sinodalidade, representantes do clero e do laicato das várias dioceses”.[26]
No âmbito diocesano, os conselhos pastorais seriam “chamados a ser sempre mais lugares institucionais de inclusão, diálogo, transparência, discernimento, avaliação e responsabilização de todos”.[27]
No âmbito paroquial, “a Igreja tem necessidade de dar uma forma e um modo de proceder sinodal também às próprias instituições e estruturas, particularmente de governo”.[28] O documento apresenta uma sugestão da Papua Nova Guiné e das Ilhas Salomão: “Quando queremos fazer qualquer coisa na nossa paróquia, reunimo-nos, ouvimos as sugestões de todos na comunidade, decidimos em conjunto e em conjunto levamos para a frente as decisões tomadas”.[29]
Para os promotores do Sínodo, qualquer medida governamental deve passar por duas etapas: consulta e elaboração no seio da comunidade, seguidas de validação pela respectiva autoridade.
A Comissão Teológica Internacional escreve: “Um sínodo, uma assembleia, um conselho não pode tomar decisões sem os legítimos Pastores. O processo sinodal deve realizar-se no seio de uma comunidade hierarquicamente estruturada. Em uma diocese, por exemplo, é necessário distinguir entre o processo para elaborar uma decisão (decision-making) por meio de um trabalho comum de discernimento, consulta e cooperação, e a tomada de decisão pastoral (decision-taking) que compete à autoridade do Bispo, garantidor da apostolicidade e catolicidade. A elaboração é uma tarefa sinodal, a decisão é uma responsabilidade ministerial”.[30]
O Cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente emérito do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, propõe uma solução sinodal: “O Papa poderia se comprometer a nunca realizar atos particularmente importantes de magistério ou atos particularmente importantes de governo em caráter individual, e consequentemente, comprometer-se a sempre recorrer ao colégio de bispos para realizar tais atos em caráter comunitário”.[31]
Synodaler Weg significa Caminho Sinodal. É a maneira particular pela qual a Igreja Católica na Alemanha optou por aderir à sinodalidade, independentemente do Sínodo universal, antecipando-o e até mesmo superando as orientações de Roma. Esse neologismo não encontra nenhuma base no direito canônico ou na tradição da Igreja.
O Synodaler Weg é apresentado não apenas como um caminho específico para a Igreja na Alemanha, mas também como um modelo extremo, mas altamente influente, para o Sínodo Geral convocado em Roma. Muitos observadores notam que suas conclusões poderiam influenciar o desenvolvimento de todo o processo sinodal na Igreja universal, seguindo o precedente estabelecido pelo Concílio Vaticano II, no qual, segundo uma frase famosa: “o Reno desaguou no Tibre”.[32]
Mons. Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã e principal promotor do Weg, referindo-se ao documento ‘Alarga o espaço de tua tenda’ (preparatório do Sínodo), proclamou euforicamente que ele inclui muitas propostas apresentadas pelo Weg: “O processo sinodal [alemão] já mudou a Igreja”.[33]
Os promotores do Weg propõem superar o “clericalismo”, que supostamente prevalece na Igreja, mudando sua estrutura administrativa e seus ensinamentos morais:
a. Participação dos leigos na nomeação dos bispos e democratização generalizada das estruturas eclesiásticas;
b. Ab-rogação do celibato sacerdotal obrigatório;
c. Admissão de pessoas homossexuais às ordens sacras;
d. Abrir o ministério sacramental às mulheres;
e. Reavaliar a homossexualidade e aceitar uniões de pessoas do mesmo sexo;
f. Condenar a moral sexual tradicional da Igreja.
Pode-se resumir essa agenda do Synodaler Weg num duplo objetivo: desconstruir a moral católica e a hierarquia eclesiástica.
No sentido proposto pelo Synodaler Weg e por muitos promotores do Sínodo Universal, “incluir” os homossexuais significa aceitá-los na Igreja sem qualquer restrição ou pedido de conversão moral. Em outras palavras, significa aceitar não apenas o pecador, mas também o pecado.
Propus que os católicos divorciados e casados novamente ou LGBT, que estão buscando ardentemente a graça de Deus em suas vidas, não deveriam ser categoricamente impedidos de receber a Eucaristia
Talvez ninguém tenha apresentado essa tese com mais clareza do que o Cardeal Robert McElroy, Arcebispo de San Diego, nos Estados Unidos. Em artigo publicado na revista jesuíta America, ele afirmou que o Sínodo deveria “incluir aqueles que se divorciaram e se casaram novamente sem uma declaração de nulidade da igreja, membros da comunidade LGBT e aqueles que são casados no civil, mas não se casaram na igreja”.[34]
Tal inclusão requer admitir à Santa Comunhão pessoas que vivem objetivamente em pecado público: “Propus que os católicos divorciados e casados novamente ou LGBT, que estão buscando ardentemente a graça de Deus em suas vidas, não deveriam ser categoricamente impedidos de receber a Eucaristia”.[35]
Sim. Um documento do Weg afirma: “Como parte dessa reavaliação da homossexualidade, as passagens 2357-2359 e 2396 (homossexualidade e castidade) do Catecismo [da Igreja Católica] devem ser revisadas. (…) Os “atos homossexuais” devem ser removidos da lista de “pecados graves contra a castidade”. Assim, a sexualidade não é um pecado que nos separa de Deus nem deve ser julgada como intrinsecamente má”.[36]
O Relator Geral do Sínodo, Cardeal Jean-Claude Hollerich, de Luxemburgo, parece ter a mesma opinião. Afirmou que a doutrina da Igreja sobre as relações homossexuais é “falsa”, e, portanto, deve ser alterada, porque “o fundamento sociológico-científico deste ensinamento não é mais correto”.[37]
Sim. “Incluir” os homossexuais na Igreja significa incluí-los em todos os sacramentos, entre eles o casamento. Não podendo aprovar o “casamento” entre duas pessoas do mesmo sexo — o que seria contrário ao dogma católico e à disciplina da Igreja — algumas conferências episcopais optam por dar-lhes uma “bênção” (Segnung). Por exemplo, em 2022 os bispos flamengos aprovaram um “Rito de bênção” para casais homossexuais, posteriormente aprovado pelo Synodaler Weg.
A ideia não é nova. Em 2015, durante o Sínodo sobre a família, o Comitê Central dos Católicos Alemães propôs “um maior desenvolvimento de formas litúrgicas, em particular a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo, de novas uniões de pessoas divorciadas e de decisões importantes na vida familiar”.[38]
Na pregação o cardeal disse:
Desejo uma Igreja inclusiva. Uma Igreja que inclua todos os que querem seguir o caminho de Jesus.
Não. É decepcionante notar, por exemplo, a ausência de qualquer reprovação das autoridades do Vaticano em relação ao artigo escandaloso do Cardeal Robert McElroy na revista jesuíta America. De outro lado, a posição decisiva do Cardeal Hollerich como relator geral do Sínodo foi confirmada mesmo depois das suas declarações escandalosas sobre a necessidade de modificar o magistério da Igreja sobre a homossexualidade. Ele também foi incluído no “C9”, o seleto grupo de cardeais que aconselham diretamente o Papa Francisco.
O Vaticano está observando [o Weg], mas parece ter perdido o controle dessa iniciativa
O vaticanista francês Jean-Marie Guénois comenta: “O Vaticano está observando [o Weg], mas parece ter perdido o controle dessa iniciativa. O Papa Francisco advertiu a Igreja alemã para não sair do rumo; mas, curiosamente, nomeou para o cargo-chave de ‘relator’ do próximo sínodo romano sobre ‘sinodalidade’ um prelado que apoia… as diretrizes do sínodo alemão. (…) O Papa não se põe como um árbitro. Está do lado da reforma, como confidenciou em setembro passado aos jesuítas eslovacos, com os quais se encontrou em Bratislava”. [39]
Se apenas algumas das propostas do Synodaler Weg ou do Sínodo Geral fossem aprovadas (e, mais ainda, se fossem levadas até suas últimas consequências), teriam sido tão graves as mudanças, que poderíamos legitimamente nos perguntar se ela ainda se pareceria com a verdadeira Santa Igreja Católica Apostólica Romana, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Talvez não seja mera coincidência que este livro esteja sendo lançado no 80º aniversário do que alguns estudiosos acreditam ter sido um dos primeiros brados de alarme sobre a crise iminente na Igreja, que agora atinge seu paroxismo. Falamos do livro Em Defesa da Ação Católica, escrito em 1943 por Plinio Corrêa de Oliveira, então presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo.
É impressionante a afinidade entre as antigas propostas no seio da Ação Católica, então incipientes, com as apresentadas hoje pelos promotores do caminho sinodal, o qual retoma velhas heresias condenadas com veemência pelo Magistério, e impulsiona ainda mais a obra de autodemolição identificada por Paulo VI.
Supliquemos a Nossa Senhora que não permita que o Corpo Místico de seu Divino Filho se torne ainda mais desfigurado e apresse a vitória que prometeu em Fátima:
Por fim, meu Imaculado Coração triunfará.
Adveniat regnum Christi!
Adveniat per Mariam!
* * *
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