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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Saneamento infeccionado


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O novo marco legal para o setor de saneamento básico despertou numerosas (espero que justificadas) esperanças. O objetivo é até 2033 levar água tratada para 99% e esgoto para 90% dos brasileiros. Trinta e seis milhões de brasileiros não contam com água tratada e 101 milhões não dispõem de serviço de coleta de esgoto. Apenas 41% da população têm esgoto tratado. Outro dado preocupante: em 2018 se perderam mais de 38% da água tratada, desperdiçada ao longo da distribuição, por falta de manutenção adequada.

Caminho a construir. São inestimáveis as vantagens de ordem material, cultural e moral que traz a água em casa, a presença do sistema de esgoto, o tratamento que restaura os rios em sua utilidade e beleza pristinas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que um real aplicado no saneamento poupa quatro reais em gastos com saúde. Tudo isso pode ser proporcionado, pelo menos em larga medida, pela aplicação enérgica do novo marco legal do saneamento. Para tal, são cálculos de bons especialistas, será necessário investir na ampliação do setor cerca de $500 bilhões de reais. E ainda por volta de R$250 bilhões na recomposição e manutenção do sistema existente. São quase R$800 bilhões de reais, em torno de R$50 bilhões por ano até 2033. Aqui se adensa o problema, intenções e papel são bem mais fáceis de obter.

Obviamente, o Poder Público, falido, lerdo e perdulário, não tem capacidade de atender a tal demanda, à vera, necessidades prementes. E quem sofre é o povo, de forma especial os mais desassistidos. Em boa hora o novo marco do saneamento abriu portas para a iniciativa privada nacional, bem como para o investimento estrangeiro. Hoje, apenas 6% das redes de água e esgoto no Brasil são geridos por empresas privadas, decorrência de atávica opção preferencial pelo estatismo, retrocesso mental difícil de remover, uma das causas de nosso endêmico atraso econômico.

Preocupa. Entre os maiores interessados em aplicar maciçamente no setor, três me chamaram particularmente a atenção. O primeiro, fundos soberanos, preocupa. Fundos soberanos são fundos de propriedade e gestão estatais; capitais geridos por governos. Vamos privatizar e entregar a órgãos estatais do Exterior a propriedade e gestão de um setor importante da economia? Que orientação política terão tais governos? O olhar não pode se limitar ao prazo curto, concessões supõem prazos dilatados, 30, 50 anos. Com que objetivos trabalharão no País os grupos econômicos cujos acionistas principais são fundos soberanos? Afirmei, tal fato preocupa. É mais um passo da privatização à brasileira, entregar estatais tupiniquins ou serviços públicos para estatais estrangeiras. E sair blasonando que o governo leva diante enérgico programa de desestatização. Não percebi ninguém que pense em enfrentar essa dificuldade.

Alarma. Os outros dois interessados alarmam, não apenas preocupam. Duas corporações gigantescas, Gezhouba Group e China Railway Construction Corporation, são citadas na imprensa como dos maiores interessados em investir no setor de saneamento.

São mastodônticos grupos econômicos — estatais chinesas. Não custa repetir, já há anos lembro o óbvio: as estatais chinesas são dirigidas pelo governo chinês, seus diretores na imensa maioria são membros do Partido Comunista Chinês (PCC), dono do governo. Vencidas as concorrências, obtidas as concessões, quem, em última análise, vai dirigir a empresa formada por quaisquer desses dois grupos nas grandes capitais ou, exemplo, no interior da Amazônia, é o Partido Comunista Chinês. E a sujeitará a seus objetivos políticos. Como está avassalando Hong Kong, indiferente aos protestos de todo o mundo ocidental. Essa nova realidade, se implantada, nos próximos anos trará mais alguns passos em nossa via para o protetorado, o caminho da servidão. Do total do bolo, que porcentagem abocanharão? Iniciativas semelhantes de sujeição ao poder chinês estão acontecendo em outros setores da economia.

Já sei, infelizmente não vai ser outra a linguagem do noticiário, é o que dita a experiência, mas convém repetir. Quando lermos na imprensa, empresas chinesas, entendamos estatais chinesas. Quando lermos investidores e empresários chineses, entendamos burocratas do PCC. Quando lermos investimentos chineses, entendamos aplicações do governo chinês.

Horror da transparência. Vivemos no reino dos eufemismos e das ocultações, da fuga obstinada da verdade e da transparência. E, desde os governos tucanos, pouco ou nada alterou até agora no avanço da China sobre a economia brasileira, com piora do quadro no período petista. Mudará? Queira Deus, mas receio que não. No caso, trata-se de ameaças à independência e à soberania nacionais. E que ninguém se engane, se o rumo não for revertido, o tempo vai trazê-los — governos totalitários. Protetorados, confessados ou disfarçados, tendem a seguir o modelo vigente nas metrópoles.

Falei do tempo. Ele não parou durante o confinamento, acelerou-se em vários e decisivos âmbitos. A China começou como bicho papão, causa da crise. Pode tornar-se a grande ganhadora. Sua economia sofreu menos que as outras. Caso de lá venha a vacina, e trabalham para tal, já declarou que será “bem público”, ou seja, não haverá direito a royalties e patentes, recolherá louros. De outro lado, os Estados Unidos, em vez de tomar a dianteira na coordenação e resolução da crise, afundaram-se em intermináveis disputas intestinas. Parecem perdidos de momento. Putin consolidou-se na Rússia. E, quem diria, Maduro dá sinais de estar se consolidando na Venezuela, para alegria de seus amigos cubanos, chineses e russos. Um eventual governo Biden agravaria tal quadro.

Esperança viva. Por que lembro tudo isso? Porque, como vigia na espreita, quero a vitória. Indispensável apontar zonas de infecção e tentar evitar que o desleixo, a superficialidade e o otimismo acarretem o fracasso.

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Péricles Capanema

Péricles Capanema

184 artigos

Analista político e colaborador do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

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