Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
11 min — há 4 anos — Atualizado em: 5/6/2020, 5:20:06 PM
Padre David Francisquini
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 832, Abril/2020
Pergunta — Devido à ameaça de epidemia docoronavírus, o bispo da minha diocese impôs que a Sagrada Comunhão seja distribuídaexclusivamente na mão dos fiéis, e não mais na boca. Chama-me a atenção que, nomesmo comunicado, proíbe-se o costumeiro aperto de mão na saudação da paz. Se ocontato com a mão transmite o vírus, seria lógico proibir também a comunhão namão, porque o padre poderia estar contaminado, não é? Essa contradição me levaa suspeitar que alguns bispos estejam querendo aproveitar a crise sanitária paratentar acabar com a distribuição da comunhão na boca, que é o modo tradicional.Há muitos anos sou “mal visto” por vários sacerdotes, por não receber acomunhão na mão, e tenho sido interpelado algumas vezes para “fazer como osdemais”. Esses padres alegam que na Igreja primitiva se comungava desse jeito,e que o fato de não se permitir aos fiéis tocar na hóstia, como se fazia antes,estabelecia uma distinção excessiva entre os leigos e o clero, dando a entenderque os padres eram virtuosos e os fiéis eram pecadores. Gostaria de saber seisso é verdade, e qual é a legislação da Igreja sobre a distribuição dacomunhão.
Resposta — O Concílio de Trento declarou que ocostume de o sacerdote celebrante comungar de suas próprias mãos, e depoisdistribuir a hóstia aos fiéis, é uma tradição apostólica (sess. 13, c. 8). SãoBasílio (330-379) informou que só era permitido receber a comunhão das própriasmãos em tempos de perseguição ou no caso dos monges do deserto — ou seja,quando não havia nem sacerdote nem diácono para dar a comunhão (Carta 93). Coma paz de Constantino essa exceção acabou, pois foi permitido à Igreja sair dascatacumbas. Provavelmente isso era desrespeitado em alguns lugares e cometiam-seabusos, porque no ano 650 o Concílio de Rouen definiu: “Não coloques a Eucaristia nas mãos de um leigo ou de uma leiga, masunicamente na sua boca”.
De fato, à medida que a Igreja foi tomandoconsciência de quão augusto é o tesouro que Nosso Senhor lhe deixou com oSacramento da Eucaristia — seu Corpo e Sangue realmente presentes nas espéciesconsagradas do pão e do vinho —, Ela foi aos poucos aperfeiçoando seu modo de celebrara Missa, a assiduidade e o modo de distribuir a Sagrada Comunhão, assim como deconservar e transportar o Santíssimo Sacramento. Basta citar, por exemplo, queos primeiros cristãos celebravam a Missa no mesmo local da refeição fraternaque tomavam em comum (ágape), e logo depois de terem comido. Ainda no século V,São Paulino de Nola testemunha a existência desse tipo de reuniões à mesa, não inteiramenteseparadas da celebração; e foi somente no segundo milênio que se tornou maisrígida a regra do jejum eucarístico prévio à recepção da Sagrada Comunhão.
Certezada presença de Jesus na hóstia santa
Concomitantemente foi se impondo ocostume de dar a comunhão na boca, pela certeza de que o Corpo de Nosso Senhorestava tão presente numa pequena fração quanto numa hóstia inteira, comobelamente escreveu Santo Tomás de Aquino no hino Lauda Sion: “Quando a hóstiaé dividida, não vaciles, mas recorda que o Senhor encontra-se todo debaixo dofragmento, tanto quanto na hóstia inteira”. Ora, durante a distribuição daSagrada Comunhão é frequente separarem-se da hóstia pequenos fragmentos, e épor isso que o coroinha deve sempre colocar a patena sob o queixo docomungante, a fim de recolher os fragmentos que eventualmente se desprendem dahóstia. Voltando ao altar, o sacerdote limpa a patena, derramando esses minúsculosfragmentos dentro do cálice a ser purificado mediante as abluções.
Essa consciência crescente da presençamiraculosa de Jesus na hóstia, e da necessidade de recebê-Lo com a reverênciadevida, levou também a Igreja a impor aos fiéis recebê-Lo de joelhos, em sinalde adoração. É um sinal exterior para prestar-Lhe homenagem e saudá-Lo com o nossocorpo, num gesto de humildade. A recepção na boca é também um sinal de infânciaespiritual, pois da mesma forma que as crianças abrem a boca para receber oalimento, abrimos a boca para receber da mão do sacerdote o nosso alimentoespiritual. E o sacerdote celebra a Missa “inpersona Christi”, ou seja, ao celebrar, assume a própria pessoa de Cristo. Essesgestos de humilhação se fazem, portanto, diante do próprio Deus; e longe derebaixar, engrandecem quem os pratica, porque são atos de adoração e dereverência a Deus.
Cumprircom santo zelo os deveres religiosos
No século VI, na Igreja de Roma, a santahóstia já era depositada diretamente na boca dos fiéis, segundo o testemunho deSão Gregório Magno ao contar um milagre de Santo Agapito (Diálogos, livro 3°). E foi na Idade Média que se generalizou arecepção de joelhos, como afirma São Columbano, monge irlandês que cristianizouos escoceses.
A partir da Idade Média, os fiéistiraram grande proveito espiritual desses gestos de reverência diante dasespécies eucarísticas. Basta pensar na instituição da festa de Corpus Christi pelo Papa Urbano IV, em1264. O primeiro grande fruto desse aperfeiçoamento no trato da Eucaristia foio aumento da fé na Presença Real de Nosso Senhor no pão e no vinho consagrados,que se transformam no Corpo e no Sangue do Salvador. O segundo grande fruto foio aumento da piedade, sendo reconhecido que a perfeição da virtude da religiãoproduz nas almas um afeto filial para com Deus e uma terna devoção às Pessoasdivinas, aos santos, à Igreja, às Sagradas Escrituras, etc., levando-as acumprir com santo zelo os deveres religiosos.
Infiltraçãode costumes protestantes na Igreja
Esse movimento de fervor foi crescendona Igreja Católica ao longo dos séculos e marcadamente a partir do século XVIem oposição às heresias de Lutero e seus sequazes.
Todas as seitas protestantes negam a transubstanciação,ou seja, negam que o pão e o vinho tornam-se o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor,perdendo sua substância e ficando deles somente os acidentes. Algumas seitas dizemque a presença de Cristo é apenas espiritual, enquanto outras sustentam que,durante a cerimônia, seu Corpo e Sangue se unem à matéria das espécies, mas asubstância do pão e do vinho permanece íntegra. Negam também o caráter desacrifício da Santa Missa; e como consequência, negam o sacerdócio como umaordem sagrada para realizar o sacrifício inpersona Christi. Daí a equiparação dos fiéis aos pastores, que são merospregadores.
O resultado da disseminação dessasheresias foi a transformação do altar numa mesa, colocada na frente ou no meiodos participantes, e o fazerem uma fila para ir pegar eles mesmos com a mão opão e o vinho diretamente sobre a mesa. Na óptica herética deles, tudo isso seexplica porque o culto é principalmente uma pregação; e a “comunhão” ésimplesmente partilhar um pão e vinho não transubstanciados onde haveria umavaga presença espiritual de Cristo.
O inexplicável é que, depois do ConcílioVaticano II, muito desse modo de proceder protestante tenha começado a se infiltrarna Igreja Católica.
O documento crucial para o abandono damaneira tradicional de receber a Comunhão foi a Instrução Memoriale Domini, publicada pela Sagrada Congregação para o Cultodivino em 29 de maio de 1969. Ela explicava que um número reduzido de bispos haviapedido a admissão da comunhão na mão; mas, tendo sido interrogados todos osbispos do mundo pelo Papa Paulo VI, apenas um quarto deles aprovaram essa novidade.
A Instrução acrescentava que, emconsequência do que se disse acima, “oSanto Padre decidiu não mudar a forma existente de administrar a SagradaComunhão aos fiéis”. Porém aduzia duas linhas adiante: “Onde um uso contrário, o de colocar a Sagrada Comunhão nas mãos prevalece”(?!), as Conferências episcopais devemavaliar “qualquer circunstância especialque possa existir”, e “devem tomarquaisquer decisões” para “regular assituações” (ou seja, regularizar os abusos!).
O caráter insincero da Instrução ficouclaro numa nota anexa, na qual se dizia que “orito da comunhão nas mãos deve ser introduzidocom discernimento”, “gradualmente”, “começando com grupos mais instruídos emais bem preparados” por meio de “umaadequada catequese” que “prepare ocaminho”.
Como se tratava apenas de um indulto, asConferências episcopais deviam aprovar uma resolução por maioria de 2/3, fazendoum pedido à Santa Sé. A imensa maioria acabou introduzindo essa forma dedistribuição, de maneira que se tornou o costume prevalente na Igreja latinanos cinco continentes.
A formulação mais recente da legalizaçãodessa anomalia é contida na InstruçãoGeral do Missal Romano de 2002: “Nãoé permitido que os próprios fiéis tomem, por si mesmos, o pão consagrado nem ocálice sagrado, e menos ainda que o passem entre si, de mão em mão. Os fiéiscomungam de joelhos ou de pé, segundo a determinação da Conferência Episcopal.Quando comungam de pé, recomenda-se que, antes de receberem o Sacramento, façama devida reverência, estabelecida pelas mesmas normas”. E mais adiante: “Se a Comunhão for distribuída unicamentesob a espécie do pão, o sacerdote levanta um pouco a hóstia e, mostrando-a acada um dos comungantes, diz: O Corpo de Cristo ou Corpus Christi. O comungante responde: Amém, e recebe oSacramento na boca; ou, onde for permitido, na mão, conforme preferir”.
Aliberdade de escolha foi reiterada pela Congregação para o Culto divino em sua InstruçãoRedemptionis Sacramentum, de 2004, aqual diz, de maneira assaz enviesada: “Aindaque todo fiel tenha sempre direito a escolher se deseja receber a sagradaComunhão na boca, se o que vai comungar quer receber na mão o Sacramento, noslugares onde Conferência de Bispos o haja permitido, com a confirmação da Séapostólica, deve-se administrar-lhe a sagrada hóstia”.
Argumentaçãocontra a comunhão na mão
Dois bispos se têm destacado nosesforços para eliminar o abuso da comunhão na mão, argumentando que um“indulto” foi transformado em regra geral; e os que respeitam a regra litúrgicapassaram a ser tratados como indultados. Dom Juan Rodolfo Laise, recentementefalecido, proibiu a comunhão na mão em sua diocese de San Luis (Argentina); eDom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Astana (Cazaquistão), escreveu doislivros sobre o assunto e promoveu uma resolução de sua Conferência episcopal,proibindo a comunhão na mão em toda a região.
No livro Corpus Christi, a comunhão na mão no coração da crise da Igreja, DomSchneider declara que em nossos dias essa prática é “a mais profunda laceração do Corpo Místico da Igreja de Cristo”, porqueacarreta quatro consequências, cada qual mais grave que a outra:
●Minimiza os gestos de adoração visível;
●Nas crianças e nos adolescentes que não conheceram o modo tradicional derecepção, cria a ideia de que a Eucaristia é um alimento comum e apenas umsímbolo;
●Permite perdas importantes de parcelas de hóstias, que caem por terra e sãoprofanadas involuntariamente;
●Favorece o roubo de hóstias para atos sacrílegos.
Além do que foi exposto acima, pode-seainda acrescentar algo a mais: é que essa prática leva os fiéis à indiferença eà perda da fé, pois aquelas mesmas mãos que depositaram o dinheiro na coletavão tocar a hóstia consagrada. Aos poucos, isso induz a pessoa a colocar odinheiro e a hóstia no mesmo nível, relativizando o valor infinito da Sagrada Eucaristia.
Devemosressaltar que Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente presente e em pessoa, é avítima dessas quatro atitudes deploráveis.
Emresposta àqueles que dizem que a obrigação de receber a comunhão na boca violariaseus direitos de “cristão adulto”, Dom Athanasius contesta:
“Essessupostos direitos violam os direitos de Cristo, o único Santo, o Rei dos Reis:Ele tem o direito de receber a excelência das honras divinas, mesmo na pequenae santa hóstia. Todas as razões em favor da prática da comunhão em pé e na mãoperdem toda consistência diante da gravidade da situação evidente de minimizaçãodo respeito e da sacralidade, diante do descuido pelas parcelas eucarísticasque caem por terra e diante do fenômeno crescente do roubo de hóstiasconsagradas.
“Acimade tudo, qualquer argumento em favor da manutenção da prática da comunhão namão perde todo fundamento em consideração da diminuição (para não dizerdesaparecimento) da integridade da fé católica na Presença Real e natransubstanciação. Tal prática moderna, que jamais existiu na Igreja sob essaforma exterior concreta, acaba incontestavelmente por enfraquecer a plenitudeda fé católica na Eucaristia”.
Alição da aparição do Anjo aos pastorinhos de Fátima
Como recurso de contraste salutar, convémlembrar a terceira aparição do anjo aos três pastorinhos de Fátima. De um lado elanos mostra a reverência que se deve ter em relação à Sagrada Eucaristia; e deoutro, o quanto Nosso Senhor é ofendido pelos sacrilégios. Eis o relato da IrmãLúcia:
“OAnjo apareceu-nos pela terceira vez, trazendo na mão um cálice e sobre ele umaHóstia, da qual caíam dentro do cálice algumas gotas de Sangue. Deixando ocálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes aoração: ‘Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vosprofundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade deJesus Cristo, presente em todos os sacrários da Terra, em reparação pelosultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelosméritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria,peço-Vos a conversão dos pobres pecadores’.
“Depois,levantando-se, tomou de novo nas mãos o cálice e a Hóstia e deu-me a Hóstia amim; e o que continha o cálice, deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendoao mesmo tempo: ‘Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, horrivelmenteultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vossoDeus’.
“Denovo se prostrou em terra e repetiu conosco mais três vezes a mesma oração: ‘Santíssima Trindade… etc’. E desapareceu”.
Peçamos a Nossa Senhora de Fátima que obtenhao quanto antes de seu divino Filho ser fechada na Igreja, que é o seu CorpoMístico, essa chaga da comunhão na mão, sintoma de tanta indiferença e causa deincontáveis ultrajes.
Padre David Francisquini
139 artigosPe. David exerce sua missão sacerdotal na Igreja do Imaculado Coração de Maria, em Cardoso Moreira (RJ). Entusiasta do livro Revolução e Contra-Revolução, do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, o Revmo. Pe. David sempre propagou os ideais deste insigne pensador e líder católico. Pe. David é autor de dois livros importantes para a defesa da família Brasileira: "Catecismo contra o Aborto" e "Homem e Mulher, Deus os criou".
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