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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Mostrando o que a propaganda esconde


Minha incorrigível ingenuidade me tem levado a avaliações que uma criança mais perspicaz poderia considerar, digamos, infantis. Não sei se isso tem conserto, mas vou compartilhar com os leitores meus esforços para corrigir-me, como também alguns progressos recentes.

Na minha diversificada incursão pela literatura mundial, meu sensível coração derreteu-se várias vezes, secundado por lágrimas e gemidos retumbantes, ao acompanhar a sorte trágica de personagens românticos nos seus amores clandestinos. Como os romancistas nunca mencionam que aquilo é adultério, assustei-me com a revelação feita por um membro da grei lítero-lacrimejante: “Toda a literatura mundial pode ser resumida neste título: Cem maneiras de cozinhar um adultério”.

Quer dizer então que toda aquela gente, infeliz por culpa própria, não passa de adúlteros!… Sendo assim, lamento ter lamentado a infelicidade deles, nos livros e versões cinematográficas que tanto induziram igual comportamento em outros.

Já perdi horas preciosas procurando entender as propagandas. Por exemplo, nunca consegui perceber para que serve a foto de uma modelo seminua sentada no capô de um carro último tipo. Um publicitário deu-me a explicação, ao resumir os objetivos ideológicos inerentes ao uso de imagens como essa: “A publicidade moderna se baseia em explorar os sete pecados capitais”.Uma imagem sedutora incita o desejo de adquirir um produto, associando-o a qualidades que ele não tem.

Veja, caro leitor, as consequências graves da minha ingenuidade. Quando compro os romances lacrimosos ou me deixo convencer pela propaganda libertina, eu me torno corresponsável pelo êxito comercial de coisas danosas e de má qualidade como essas. Por quê? Porque o preço das mercadorias inclui o custo da propaganda para convencer-me a comprá-las. Como nenhuma propaganda se faz gratuitamente, é fácil perceber minha parcela de culpa nisso. E também a sua, é claro.

Certamente alguém se sensibilizou com as decepções e aborrecimentos por compras malsucedidas ou decepcionantes, e assim foi criado o Procon. Grande sacada, essa do Procon! Se fui vítima de propaganda enganosa, posso devolver produtos com defeito de fabricação; receber de volta meu dinheirinho, quando um aparelho não funciona; soltar os cachorros em cima de quem fez propaganda enganosa; e ainda desopilar o fígado, cobrindo de merecidos desaforos o vendedor.

Mas parece-me que alguns detalhes enganosos da propaganda passaram despercebidos aos autores do Procon. Por exemplo:

▪ As cores reais são sempre menos intensas e menos atraentes do que nas fotos;

▪ Turismo ecológico é muito mais cansativo do que mostram os impressos;

▪ Montanhas vistas de longe são bonitas, mas feias e perigosas para quem está lá;

▪ Camarões de restaurante frequentam academias antes de posar nas fotos;

▪ O churrasco da propaganda é sempre mais vermelho e mais atraente;

▪ Os programas na televisão dos hotéis são tão ruins quanto na de casa.

Se o produto não me satisfaz, o Procon garante todo o direito de espernear, mas isso geralmente dá muito trabalho. E como ficam essas diferenças aí atrás? Ainda não entendi como conduzir reclamações ou punições como estas:

• Exigir um arco-íris no local onde a imobiliária o mostrou na propaganda;

• Devolver biscoitos sem o sabor de juventude prometido nos comerciais;

• Exigir das agências de turismo que as paisagens sejam realmente deliciosas;

• Indenização vultosa para quem lamentou faltar a modelo seminua no pacote;

• Encarcerar o fotógrafo que eliminou do panorama todos os insetos e répteis;

• Chicotear os suíços, que omitem o frio escaldante das belas paisagens nevadas;

• Devolver minha juventude, para escalar a montanha e admirar do alto a paisagem;

Deve ter entrado nisso algum lobby de fabricantes, comerciantes e outras empresas. No meu caso, pelo menos, o que devia solucionar minha insatisfação de consumidor acaba virando mais uma expectativa frustrada. Acho que o Procon precisa ser ampliado, drasticamente ampliado. Especialmente para evitar que transfiram para mim o custo de propagandas enganosas como essas.

(www.jacintoflecha.blog.br)

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Jacinto Flecha

Jacinto Flecha

89 artigos

Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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