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6 min — há 7 anos — Atualizado em: 2/16/2018, 6:14:42 PM
O sabiá-laranjeira, que já era ave-símbolo do Estado de São Paulo, foi declarado ave-símbolo do Brasil por decreto de 3 de outubro de 2002. Oficialmente, juntou-se aos quatro símbolos nacionais: bandeira, hino, brasão de armas, selo. Apropriadas as escolhas, brasileiríssimo o sabiá. Representa-nos, como a andorinha à Áustria e a cegonha à Alemanha.
Passo para a cobra. O urutu [foto], sertão afora, intimida mais que a cascavel. Alerta o matuto que o urutu, quando “num mata, aleja”. Os herpetólogos negam que serpente hipnotize passarinho. A ave, descuidada, aproxima-se por si do réptil imóvel, que está pronto para o bote. Aceito a ciência, mas vou ficar aqui com o capiau: o urutu hipnotiza o sabiá. Serve aos objetivos do artigo.
O governo acaba de lançar o mais amplo pacote de privatizações e concessões desde o governo FHC. Já aviso de saída, acho é pouco, e sou favorável à privatização mais abrangente e à utilização crescente das concessões. Em princípio, quanto maior a presença de capital privado na economia, melhor. Entre privatizações e concessões, foram anunciados 806 quilômetros na Manaus-Porto Velho, 634 quilômetros na BR-153, 15 terminais portuários em Belém, Vila do Conde, Paranaguá e Vitória. Doze aeroportos serão entregues à iniciativa privada, entre os quais Congonhas, o mais movimentado do País. O governo pretende vender sua participação nos aeroportos de Guarulhos, Confins, Brasília e Galeão. Há ainda 11 lotes de linhas de transmissão de energia, além de subestações, localizados na Bahia, Ceará, Pará, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Tocantins, com a obrigação de as empresas vencedoras ampliarem a distribuição.
A mais chamativa de todas é a privatização da Eletrobrás. Haverá emissão de papeis sem subscrição da União, que perderá com isso o controle. A estatal opera 12 hidrelétricas e duas termelétricas, com 61 mil quilômetros de linhas de transmissão. Paro por aqui.
Poderá ser o fim de um pesadelo. Como é notório, as diretorias da Eletrobrás — que registrou prejuízos entre 2012 e 2015 e deve R$40 bilhões — são leiloadas por políticos. Segundo cálculos da 3G Radar, gestora de recursos financeiros, a União (você, contribuinte) perdeu ali cerca de R$186 bilhões nos últimos 15 anos com o rateio político e a má gestão. E a imprensa volta e meia informa que depois do Petrolão virá o Eletrolão. Sua venda poderia gerar R$20 bilhões para os cofres públicos.
Aqui se esgueira o urutu. Em 24 de agosto a Odebrecht Latinvest anunciou a venda da hidrelétrica de Chaglla, a terceira maior do Peru, para um consórcio liderado pela China Three Gorges Corporation(CTG), estatal chinesa, por aproximadamente 1,4 bilhão de dólares. Às vezes faz falta lembrar o óbvio: a CTG é inteiramente dirigida pelo governo e pelo Partido Comunista Chinês (PCC).
Um dia depois, 25 de agosto, o “Estado de S. Paulo” noticiou que na China o presidente Michel Temer vai oferecer o pacote de privatizações e concessões a empresários chineses. Entre os ativos, as quatro usinas da CEMIG: Miranda, São Simão, Volta Grande e Jaguara. O pacote ofertado aos chineses destacará projetos de energia, aqui a Eletrobrás, terminais portuários, transportes, rodovias, hidrovias, ferrovias. Segundo Tarcísio Freitas, secretário de coordenação de projetos da PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), membro da comitiva presidencial, para 1º de setembro está agendada reunião do Presidente com o SPIC (State Power Investment Overseas) para propor os negócios. O SPIC — grupo empresarial chinês com 140 mil funcionários e ativos de 126 bilhões de dólares — é estatal, ou seja, dirigido pelo governo e pelo Partido Comunista Chinês. Ele constitui exemplo revelador de pelo menos um tipo de “empresários chineses” (membros do PCC) para os quais será apresentado o pacote de negócios.
A privatização tupiniquim tem apresentado isso de extraordinário: entrega maciça de estatais brasileiras para estatais chinesas. Com um agravante: quem mandava nelas eram os partidos da base aliada, que foram foco de roubalheira debandada e incompetência demolidora. A partir de agora, ou daqui a pouco, quem vai mandar em parte de tais empresas será o Partido Comunista Chinês, do qual elas passarão a ser instrumentos descarados, ocultos, disfarçados — conforme a hora — da política do Partido Comunista Chinês. João Carlos Mello, presidente da Thymos, consultoria do setor elétrico, observou: “Os chineses não gostam de nada pulverizado”. Exemplificou, no segundo semestre de 2016, com a State Grid, estatal chinesa que comprou da Camargo Corrêa os 23% que esta empresa detinha na CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz). Nos meses seguintes, os chineses foram adquirindo participações minoritárias. A partir de janeiro de 2017, a State Grid se tornou controladora da CPFL (54,6%). De passagem, a CPFL atende 679 municípios e tem 9,1 milhões de clientes nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais.
Não custa lembrar que de momento a China e a Rússia, voltando as costas para a fome, as prisões e os assassinatos do povo na Venezuela, estão apoiando a tirania chavista. Aqui no Brasil, o PT também apoia o ditador Maduro. Sintonias.
A que política as estatais chinesas no Brasil servirão? Em quadro mais amplo, na África e América Latina a China está fincando estacas de seu poder, que oportunamente será usado contra a influência dos Estados Unidos. Que papel terá o Brasil na implantação desses objetivos do PCC? Já aviso, se o setor elétrico brasileiro e outras áreas forem entregues ao PCC, o PT vai deixar de falar contra a privatização. O partido tem favorecido interesses de seus aliados, os comunistas chineses.
Por que ninguém comenta o óbvio ululante? Parte da resposta também é óbvia. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Grosso modo, tem conosco as relações econômicas clássicas de metrópole e colônia. Recebe matéria-prima, vende produtos industrializados. Se agirmos contra seus interesses, poderá rapidamente comprar nossos produtos de outros fornecedores. E aí teremos queda de exportações, diminuição do PIB, quebra de empresas, demissões. Ninguém gosta de confessar, mas o silêncio é sintoma de protetorado seminal, construído por anos e anos de distanciamento consciente dos mercados norte-americano e europeu. Ia utilizar distanciamento criminoso, ainda acho que talvez fosse mais apropriado. As instituições nacionais, órgãos do Estado, por patriotismo, e até mesmo por dever constitucional, têm o olhar posto nos perigos à soberania e à independência do Brasil. Ficariam profundamente decepcionados os melhores brasileiros se soubessem que não estão sendo alertados pelos canais adequados com palavras orientadoras que têm o direito de esperar.
De Norte a Sul são alardeadas enormes possibilidades de negócios com a China, ao tempo do silêncio sobre os perigos. Motivo? O parágrafo acima não traz tudo. Têm ainda seu peso a insciência, a superficialidade de espírito e o otimismo doentio. Faltaria algo? Meu medo é que o urutu tenha hipnotizado o sabiá.
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