Ajude a financiar a Semana de Estudos e Formação Anti-Comunista 2025
9 min — há 4 anos — Atualizado em: 10/10/2020, 5:38:54 AM
Espinhos. Abri o jornal (sou espécie em extinção, ainda abro o jornal pela manhã), e tomei um tapa na cara: o PIB brasileiro no segundo trimestre de 2020 teve contração de 9,7% em comparação com os primeiros três meses do ano. Esperada embora, a retração é a maior da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. Segundo pesquisadores da FGV, desde 1980 não há registro de queda pior em trimestre. De passagem, temos outra fonte de informação a mais dos números, sofremos espinhos pontiagudos na própria carne. Tudo dói em redor de nós.
O realismo, vacina contra quimeras. O que me empurra incoercivelmente para mais além da crise, para a região das convicções e da mentalidade, de onde procedem as escolhas. E tantas vezes nós, brasileiros, temos feito opções tóxicas. Encruzilhada inevitável: abraçamos o realismo, enfrentando o que nos agride — sem servilismos a modas estrangeiras (ou nacionais), fincados serenamente em nossas possibilidades — ou vamos preferir escapulir pelo buraco do utopismo, embaidos por miragens enganadoras? A segunda escolha é responsável, em boa parte, pela situação trágica em que agora estamos atirados, com a economia desmoronando por vários lados. O realismo nos teria poupado amazonas de sofrimentos e apreensões.
Na tempestade, notícias animadoras. Realismo não é só ver de frente notícias ruins. É também fixar o olhar nas esperançosas. Vamos agora entrar por aqui na economia. Mesmo no ambiente da pandemia, o agronegócio brasileiro (que, destaco, foi fruto do realismo) continua apresentando resultados positivos. É um alívio, evita a quebra generalizada, o desabastecimento e o desemprego maciço; depois será o motor da recuperação.
Vocação natural. Em parte tal pujança se deve à ação lúcida do ministro Alysson Paulinelli nos anos 70, cuja visão de governo (formação ampla de especialistas, pesquisa científica bem orientada, estímulo à inovação) esteve na origem de enorme aumento de produtividade, que vem beneficiando o campo ao longo de décadas Sua ação clarividente, ajudado por muitos outros na mesma direção, sublinhou realidade negada por muitos: cada vez mais o agronegócio se firma como vocação natural do Brasil. É suicídio menosprezar o caminho disposto pela realidade. Aqui toco conceito central do artigo: vocação natural. Natureza e realismo andam juntos. Tal conformação foi agredida pela fixação artificial de políticas estatais por muito tempo em desenvolvimentos induzidos, de base industrial; discussões e planos que marcam há quase um século a vida pública brasileira. Os debates tiveram ponto alto nos anos 40, aos quais vou me referir, pois lançam luz no quadro presente. Continuam vivos, de fato atualíssimos, com potencial para determinar o rumo nosso no futuro.
Coletivismo larvado. O embate ao qual me refiro não opôs diretamente, de um lado, propriedade privada e livre iniciativa; de outro, coletivismo deslavado. Foi antes o choque entre intervencionistas (partidários do desenvolvimento induzido e acelerado com utilização maciça de instrumentos estatais), representando, em grau menor ou maior, um coletivismo larvado, e, do outro lado, aqueles que acreditavam que o progresso da economia deveria vir do respeito a suas leis. Escorado na propriedade privada e livre iniciativa, buscar o caminho do que se intitulava o aproveitamento das vantagens comparativas. E aí aparecia logicamente a urgência de fazer progredir a agricultura e, por meio dela, sem prejudicá-la, fazer a indústria contribuir de forma crescente ao progresso nacional. Tal fato se refletiria naturalmente na vida social, educacional e política. Era o fortalecimento da vocação da agricultura; hoje se diria do agronegócio, um pouco simplificadamente. De outro modo, maior presença do agronegócio no PIB brasileiro. Na pauta da discussão estavam o papel do Estado, industrialização, projeto nacional, segurança pátria. No fundo do quadro, por vezes de maneira confusa, noções diferentes e até conflitantes de grandeza nacional.
Duas posições em choque. Na já recuada década de 1940 duas foram suas principais figuras. De um lado, Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948); de outro Eugênio Gudin (1886-1986). A discussão teve início e escancarou posições quando Alexandre Marcondes Filho (1892-1974), ministro do Trabalho, Indústria e Comércio solicitou ao Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial um relatório que trouxesse subsídios para uma política industrial e comercial. Dele foi encarregado o Dr. Simonsen, membro da mencionada comissão. Em 16 de agosto de 1944 apresentou o estudo “A planificação da economia brasileira”. Conceitos centrais: planejamento, presença do Estado — indutor, financiador, direcionador de recursos —, industrialização acelerada. Seria a fórmula para desenvolvimento rápido, melhoria da renda e geração de empregos. Era um eco de tendência em ascensão mundo afora, o planejamento econômico estava na moda no mundo desenvolvido, e aqui se poderia incluir setores importantes dos Estados Unidos. Seu prestígio provinha até mesmo da União Soviética, com os então famosos e prestigiados planos quinquenais, promovidos por Stalin.
Reação fundamentada. Também participava da mencionada comissão o engenheiro e economista Eugênio Gudin. Defendia a industrialização, mas paulatina e com base no fortalecimento da agricultura, onde via enormes vantagens comparativas do Brasil, clima e terras férteis. Refratário a ficções, fincado seguramente no que de fato tínhamos, temia atalhos artificiais. Em sua resposta, datada de 23 de março de 1945, o economista carioca observava com visão de longo prazo: “O conselheiro Roberto Simonsen filia-se […] à corrente dos que veem no ‘plano’ a salvação de todos os problemas econômicos, espécie de palavra mágica que a tudo resolve, mística de planificação que nos legaram o fracassado New Deal americano, as economias corporativas da Itália e de Portugal e os planos quinquenais da Rússia. […] A verdade é que temos caminhado assustadoramente no Brasil para o capitalismo de Estado”. Sobre sua posição, comentou Roberto Campos: “Gudin insistia que o processo industrializante deveria observar as linhas de vantagens comparativas e deveria caber principalmente ao setor privado, sem relegar a agricultura à posição de vaca leiteira para financiar a industrialização”. A polêmica entre os dois líderes brasileiros está registrada, é fácil compulsar os argumentos de ambos. Não é o caso de aqui os evocar, pois meu objetivo, abaixo exposto, é outro. Só lembro que na década de 1940 as convicções já estavam cristalizadas e sistematizadas em dois corpos de doutrinas.
Segregação e exclusão. Eugênio Gudin representou o pé no chão; sem o citar explicitamente, defendia o princípio de subsidiariedade, o papel supletivo do Estado em relação à sociedade. Suas posições estavam distantes da purpurina dos “cinquenta anos em cinco”, “Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)” e tantas mirabolâncias parecidas, fruto de ufanismos vazios, quando não de velhacaria política. Não foram vitoriosas, mas ajudaram, apesar de dificuldades, para, em longa decantação, amadurecer argumentos e formar correntes de opinião. E foi só muito depois dos anos 40 que se desvelou aos olhos do mundo a ilusão demolidora da mania dos planos econômicos; em especial evidenciada pelo desastre econômico dos países da antiga União Soviética. Mas quando a impostura se patenteou o mundo já havia padecido os retrocessos civilizatórios, que durante décadas excluíram bilhões de pessoas de padrões mínimos de dignidade humana. Em última análise, pela recusa consciente e culposa do princípio de subsidiariedade. Aqui está um objetivo do artigo: realçar a importância do princípio de subsidiariedade, vacina contra ficções destruidoras, motor de avanços..
O vento fresco do princípio de subsidiariedade. Falei em maturação. Em 1931, já se vão quase 100 anos, Pio XI publicou a “Quadragesimo Anno”, encíclica de doutrina social católica. Ali colocou como pilar da doutrina social católica o princípio de subsidiariedade: “Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não os destruir nem os absorver.” Representa golpe duro contra o intervencionismo estatal e contra toda forma de coletivismo; afirma o caráter supletivo do Estado em relação à sociedade. Tivéssemos dado ouvidos a tal ensinamento e muito melhor estaria a situação no Brasil. Contudo, pouco a pouco em algumas áreas vai deitando raízes. Um exemplo, na PEC da reforma administrativa, encaminhada recentemente pelo governo ao Legislativo, consta modificação do artigo 37 da Constituição. Passam a figurar como princípios da administração pública, entre outros, a proporcionalidade e a subsidiariedade. É fato promissor; que a brisa se transforme logo em vendaval de restauração e sanidade.
Família, a segunda estaca. Falei da subsidiariedade como fundamento da vida econômica. Era uma grande esquecida — hoje não mais. O que é promissor e a pandemia pôs em evidência tal aspecto. Meu segundo propósito é realçar a importância do fortalecimento da família, também fundamental para o progresso econômico. Tal realidade foi recordada com talento e realismo por Ettore Gotti Tedeschi, antigo presidente do Banco do Vaticano: “Numa família se originam projetos que exigem maiores compromissos na geração de riqueza, poupança, investimento. No seio da família surgem estímulos competidores saudáveis, sobretudo graças à educação e treinamento de cada membro, que em perspectiva se torna motor da produção de riqueza que beneficia toda a sociedade. Além disso ela absorve os problemas sociais e econômicos de seus membros, sem transferi-los ao Estado; tende a ajudar e proteger seus membros mais fracos e vulneráveis, que de outra forma sempre pesariam para a sociedade. A família assume três áreas de valor social, criando as condições para o crescimento do PIB, formando e educando, limitando os custos do Estado assistencial. Portanto a família é fonte de investimento em capital humano, fonte de maior comprometimento produtivo, de autoprodução e redistribuição de renda dentro dela. Por isso ela é o primeiro posto de criação de riqueza da sociedade. Ignorar ou mesmo degradar este papel, ao invés de incentivá-lo, é uma das primeiras causas do declínio socioeconômico e cultural da sociedade. Se um país não acreditar na família, verá ruir o crescimento da riqueza produzida e do seu bem-estar econômico e social”. Em resumo, sem família saudável, no longo prazo não haverá economia saudável.
Pandemia, hora de padecimento; em especial, de reflexão e oração. Ocasião para analisar o passado (acima pequena e expressiva parte dele), esclarecer situações; e, com isso, preparar futuro de autêntica grandeza cristã. O presente artigo procurou ser modesta contribuição para tal, chamando a atenção para a vocação natural do Brasil, a agricultura, posta em evidência pela gravidade da crise. E salientando dois pontos para caminharmos no rumo certo: princípio de subsidiariedade e família, vacinas contra recaídas.
Seja o primeiro a comentar!