Portal do IPCO
Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação
Logo do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira
Instituto

Plinio Corrêa de Oliveira

Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo

Bolo em camadas

Por Péricles Capanema

6 minhá 5 anos — Atualizado em: 1/11/2020, 1:57:10 AM


Oambiente familiar é o mais importante para a formação do caráter e oflorescimento do que a instrução fora de casa poderá proporcionar. O queacontece até os 5 anos marca fundo a vida toda. Se no Brasil faz muita falta aprimeira educação familiar, é porque a família está falhando.

Meu primeiro impulso foi pôr aí em cima o equivalente, mais expressivo, gâteau de couches e não bolo em camadas. Gâteau de couches nos remete a mais sabores e a formas mais bonitas, à pâtisserie (doçaria, confeitaria) francesa, produtos que são verdadeiras obras de arte, pequenos andares de delícias de diferentes gostos.

A ideia de fundo é a de soma, adição derealidades harmônicas e complementares. Como metáfora, serve para quê? Para osmais variados fins, no meu caso para representar virtude, para muitos amarga e dura,a seriedade. O contrário, a seriedade é atitude que torna suave a vida. Seriedadeé objetividade; vou procurar tê-la como inspiração e ser objetivo ao tratar dosdados divulgados pelo PISA mais recente. Não me esqueço, como os bolos, temos seriedadede uma camada, seriedade de duas, de várias camadas, a seriedade simples doporteiro e a seriedade elaborada do general.

De início, vamos considerar comseriedade simples (bolo de uma camada), sem desviar o olhar, os dadosdevastadores do PISA de 2018 (Programme for International Student Assessment– PISA, em inglês, Programa Internacional de Avaliação de Alunos), exameaplicado a cada três anos em 79 países a estudantes de até 15 anos; mais de 600mil avaliados, dos quais 17,5 mil brasileiros. São dados controversos, masapontam uma direção. O Brasil ficou na 66ª posição. Em leitura, 54ª, ciências,67ª, em matemática, na 70ª. Na China, 16% dos estudantes estão no nível maisalto da disciplina, com raciocínio matemático considerado avançado. Entre ospaíses da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento), apenas 2,4%dos alunos chegam a esse patamar.

Outro ponto. Os colégios de elitebrasileiros colocam o país na 5ª posição da leitura, ao lado da Estônia. Oresultado das escolas públicas nesse quesito é o 65º. Escolas privadas deelite, o Brasil em ciências fica no 12º no mundo. Escola pública em ciências,Brasil no 71º. Privada de elite em matemática, 30º lugar. Púbica em matemática,75º. 10% dos jovens do mundo conseguem diferenciar fato de opinião. No Brasil, totalbem menor, 2%. Nenhum aluno das classes mais pobres conseguiu fazer taldistinção. Parte dos alunos das privadas de elite termina os estudos noExterior e não volta ao Brasil.

O quadro desolador vem do que tem sido nossaeducação fundamental há décadas. Se não for mudado, esqueçam o Brasil entre asnações mais prósperas da Terra para as próximas décadas. Estamos dentro dasociedade do conhecimento. O começo do caminho — não é o único, mas essencial —para a prosperidade do Brasil é aumentar o padrão do ensino fundamental dasescolas públicas. Vale tri-trilhões de vezes mais que ficar tagarelando epapagaiando frases feitas como “resgatar a pobreza”, “pagar a dívida social”,“eliminar a desigualdade”, “distribuir renda”, e vai por aí afora. Pior aindaseria moldar o ensino fundamental segundo doutrinas demolidoras como as dePaulo Freire ou a ideologia de gênero. Acabaria de afundar.

Não vou ser conselheiro Acácio, temosgrandes técnicos na área que sabem exatamente o que propor e fazer. O óbvioululante é que nos últimos 50 anos o rumo foi frouxo e cheio de defeitos.Repito, se não for consertado o ensino fundamental, a rabeira será nossodestino permanente. Sei, boa instrução não basta para a prosperidade. Mas éessencial. E, quem nasceu pobre, via de regra, só tem uma oportunidade de crescerna vida; fazer, nos seus primeiros anos, um bom curso fundamental.

Vou deixar o bolo em uma camada, vamos parao bolo em duas camadas. De outro modo, colocar mais algumas questões no quadro.Por vezes com boas razões se criticam no Brasil as desigualdades gritantes, a infânciadesamparada, o uso que o crime organizado faz de crianças. Como diminuí-los? Aolado do ensino fundamental, base dele, faz falta a primeira educação familiar.O ambiente familiar é o mais importante para a formação do caráter e oflorescimento do que a instrução fora de casa poderá proporcionar. O queacontece até os 5 anos marca fundo a vida toda. Se no Brasil faz muita falta aprimeira educação familiar, é porque a família está falhando. E assim, quem adefende com unhas e dentes, luta por causa social de generalizado impacto nadiminuição da pobreza. O economista Prof. Roberto Macedo, discorrendo sobreeducação, em especial a infantil, ressaltou ponto de enorme importância: “Tivecircunstâncias educacionais muito favoráveis, pois minha mãe deixou omagistério para cuidar dos seus oito filhos. Na época, famílias desse tamanhoeram comuns. Ela levou todos à escola, e nossa casa era também uma escola, poisela ensinava várias coisas, e cobrava desempenho escolar. Havia também muitoslivros e até jornais diários, que atraíam nossa atenção. E jogos infantis,muita conversa com ela e entre irmãos, tudo isso estimulando nossa cabeça já naprimeira infância. E, ainda, a interação com os filhos de famílias vizinhas,também ajudando no desenvolvimento intelectual e social”.

As duas primeiras camadas eram até certoponto previsíveis. A terceira, acho, nesse bolo em três camadas, é que traznovidade. Relia partes do livro “Minha vida de menina” de Helena Morley (pseudônimode Alice Dayrell Caldeira Brant) — do qual Georges Bernanos certa vez comentoucom o ministro Capanema: “obra genial,livro único, impossível de traduzir, um milagre” — e topei com cena instrutivade fins do século XIX em Diamantina: “Hojetive o maior espanto de minha vida. Vovó, todos os sábados, manda um de meusirmãos ao Palácio, que é perto da Chácara, trocar uma nota em borruquês doBispo. Põe tudo numa caixa de papelão e fica sentada na sala de jantar, àespera das pobres delas. A cada uma dá um borruquê novo de duzentos réis. Sãoelas, Chichi Bombom, Frutuosa Pau-de-Sebo, Teresa Doida, Aninha Tico-Tico,Carlota Pistola, Teresa Buscapé, Eufrásia Boaventura, Maria Pipoca e siá Fortunata.[…] Eu sempre fico por perto ouvindo as queixas”.

Uma avó, com a neta por perto, recebe nasala mulheres pobres para dar esmola. Ambiente descontraído, acolhedor,simples, respeitoso, onde, imersas num ar difícil de definir, pretas, brancas,mulatas conversam, trocam opiniões e depois as pobres vão embora. Se o Brasil querde fato um dia ser grande — grande de grandeza cristã, a única que interessa —e não apenas próspero, este ar difícil de definir não pode morrer. Digo mais, nãopode definhar. Enfatizo: tem que se firmar, aperfeiçoar-se e conquistarespaços.

É esse o ambiente do Brasil antigo, tambémpercebido nas palavras do Prof. Macedo. Definha, infelizmente, está morrendo. Sedesaparecer por inteiro, de nada vai adiantar estarmos na primeira fila doensino fundamental. E concluo, para ser proveitosa, a análise da formaçãoinfanto-juvenil entre nós requer olhares de profundidade diferentes. Só então seapresentará apetitosa, atraente e nutritiva como um bolo em camadas. (periclescapanema.blogspot.com).

Detalhes do artigo

Autor

Péricles Capanema

Péricles Capanema

184 artigos

Analista político e colaborador do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

Categorias

Tags

Comentários

Seja o primeiro a comentar!

Comentários

Seja o primeiro a comentar!

Tenha certeza de nunca perder um conteúdo importante!

Artigos relacionados