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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Figuras lendárias do Velho Oeste americano convertidas à fé católica


Nos idos tempos da minha infância, quando ia à “matinée”, encantava-me com os filmes do legendário Búfalo Bill. Só agora, na ancianidade, fiquei sabendo que esse cowboy, famoso na vida do selvagem Oeste norte-americano, se tornou católico na hora da morte. Quem foi realmente esse personagem de luzes e sombras, que tanto fala à imaginação das pessoas da minha geração? Alguns dados abaixo, para juízo do leitor.

William Frederick Cody [foto ao lado] nasceu no estado de Iowa em fevereiro de 1846. Ainda criança, seu pai foi assassinado por se opor à escravidão, razão pela qual Bill (diminutivo de William) começou trabalhar aos nove anos de idade numa empresa de frete, onde evidenciou precoces habilidades de cavaleiro. Em 1857, aos 11 anos, já despontava como o mais jovem batalhador rural das Grandes Planícies, depois de brigar com um índio e abatê-lo, por atacar a fazenda de gado em que trabalhava. Na primavera de 1860, aos 14 anos, entrou no serviço do famoso Pony Express, histórico sistema de correio que levava correspondência a cavalo. A perigosa rota ligava as cidades de São José, no Missouri, a Sacramento, na Califórnia, cruzando territórios selvagens dos Estados Unidos. Ali conviveu durante anos com ataques de bandidos, mortes e embates memoráveis no lombo de cavalos. Fez fama.

Começava sua legenda de ousado aventureiro, corajoso até a temeridade. Embora algumas das ações a ele atribuídas sejam exageradas, o certo é que Bill deu provas de coragem e dedicação no serviço. Por exemplo, na aventura de uma viagem de ida e volta a cavalo entre Wyoming e Oregon pelo Pony Express, levando passageiros perdidos, uma odisseia que requereu quase 22 horas de um percurso de cerca de 480 quilômetros.

Em outra viagem — ainda hoje envolta em atmosfera legendária — o rapaz ultrapassou os guerreiros Sioux para chegar à estação Three Crossings, no Wyoming, apenas para encontrar o dono da estação morto e os cavalos roubados. Bill conseguiu escapar por pouco dos índios, fugindo para a estação seguinte. Ao chegar, reuniu um grupo de homens para surpreender os índios em seu acampamento, conseguindo retomar os cavalos furtados. Sua astúcia foi também a peça central de outro episódio, quando precisou entregar grande soma de dinheiro em seu destino. Temendo ser esbulhado, ele escondeu o cobre sob a coberta de sua sela, e encheu a mochila de papel. Quando realmente foi detido por assaltantes sob a mira de arma, jogou-lhes a mochila e conseguiu escapar com o dinheiro.

Durante a Guerra Civil Americana (1861-65), Bill Cody serviu pela primeira vez como batedor da União (desbravador de caminhos), em campanhas contra os Kiowas e os Comanches. Mais tarde, em 1863, alistou-se na Sétima Cavalaria de Kansas, que entrou em ação no Missouri e no Tennessee. Após a guerra, trabalhou para o Exército como batedor civil e condutor da caravana de alimentos para o Forte Ellsworth, no Kansas.

Por volta de 1867 começou a ser requisitado como provedor de alimentos para equipes operárias que trabalhavam na construção ferroviária. Não havia rebanhos por ali. Melhor, havia sim, rebanhos selvagens de bisões, que podiam fornecer a preço acessível a carne de que necessitavam as turmas de trabalhadores. Bill alistou-se para caçá-los, destinando o alimento aos trabalhadores da construção da Union Pacific Railroad. Em pouco tempo — diz a legenda — matou mais de quatro mil cabeças, façanha celebrada naqueles rudes anos da conquista do Oeste. Daqui provém sua alcunha de “Búfalo Bill”, o caçador de bisões.

Quando escasseou a caça na região, ele mudou de ramo, passando a ser batedor e guia da Quinta Cavalaria do exército norte-americano — executora da ainda hoje muito controvertida e inúmeras vezes fundadamente censurada política governamental de eliminar a resistência dos nativos indígenas ao assentamento de colonizadores das terras a oeste do Rio Mississipi.

A de Búfalo Bill ganhou mundo. Por causa dela, o aventureiro foi escolhido como guia para acompanhar o grão-duque Alexis da Rússia em expedição de caça organizada pelo Presidente dos Estados Unidos. Entrementes, ao lado de tais tarefas rendosas, mas quase recreativas, ele continuava a assumir missões perigosas recusadas por outros.

Isso lhe valeu a Medalha de Honra como batedor de um contingente da Terceira Cavalaria que foi atrás de bandos de índios que haviam roubado cavalos do exército perto de Forte McPherson, em Nebraska. Durante seu serviço militar, acredita-se que Bill tenha se envolvido em 16 combates com indígenas. Fato controvertido de sua biografia, ainda não completamente esclarecido, foi o escalpe de um guerreiro cheyenne Cabelo Amarelo, episódio tido como retaliação ao massacre do comando de Custer na Batalha de Little Bighorn, em 1876. Enfim, em sua vida rude de desbravador e homem de guerra, embora um tanto lendária, nem tudo é luz; perpassam-na sombras e, poder-se-ia dizer, até trevas. Cabe a nós, observadores do século XXI, olhá-la também com o olhar severo do historiador cuja isenção de juízo não pode omitir, na ponderação final, os costumes vigentes na época.

Depois que saiu do exército, Búfalo Bill tentou vários empreendimentos, inclusive com imprensa e hotéis. Entretanto, a que teve maior ressonância e o tornou mundialmente famoso foi o Buffalo Bill’s Wild West Show [foto], que ele dirigia sobre o Oeste Selvagem, encenado a partir de 1883.

Esse show romantizava e dramatizava fatos chamativos da colonização do Oeste norte-americano — ficção e melodrama. Incluía parada de cavaleiros, participação de índios e de grandes atiradores, além de turcos, árabes, mongóis e cossacos com seus cavalos e roupas típicas. Búfalo Bill levou seu show por todos os Estados Unidos, e chegou mesmo a se apresentar na Europa. Muito mais tarde, já em meados do século XX, tais shows repercutiram nos produtores de Hollywood, dando origem à legenda cinematográfica de Búfalo Bill.

Foi em 1887 que, a convite do empresário britânico John Robinson Whitley, Bill Cody levou sua companhia à Grã-Bretanha. Seu show fez parte da Exposição Americana, que coincidiu com o Jubileu de Ouro, 50 anos de reinado, da Rainha Vitória. O Príncipe de Gales, mais tarde Rei Eduardo VII, solicitou uma prévia particular da apresentação do Velho Oeste, e ficou impressionado o suficiente para organizar uma apresentação para a Rainha Vitória. Esta gostou do show, e quis conhecer seus intérpretes. Pediu mais uma apresentação para o dia 20 de junho, especialmente para seus convidados do Jubileu. A realeza de toda a Europa compareceu, incluindo o futuro Kaiser Guilherme II e o futuro Rei Jorge V. O Oeste Selvagem de Búfalo Bill fechou sua temporada de sucesso em Londres em outubro de 1887, após mais de 300 apresentações, com mais de 2,5 milhões de ingressos vendidos. A excursão fez paradas em Birmingham e Manchester, antes de retornar aos Estados Unidos em maio de 1888 para uma curta excursão de verão. Em sua turnê pela Europa, Búfalo Bill conheceu também o Papa Leão XIII. Voltaremos a ele.

Touro Sentado e família, em 1881

Um participante das apresentações merece destaque especial: Touro Sentado (Sitting Bull), o famoso cacique sioux (1831-1890). Esse chefe indígena ganhou fama por liderar 3.500 guerreiros Sioux e Cheyenne contra o Sétimo Regimento de Cavalaria Americana, sob as ordens do famoso general Custer, na Batalha de Little Bighorn, em 25 de junho de 1876. Custer e todo seu destacamento — que incluía dois de seus irmãos — foram mortos pelos indígenas. Essa batalha desperta até hoje sentimentos diversos. O malogrado general passou a ser visto por alguns como o herói trágico que lutou até a morte junto a seus soldados. Entretanto, há os que o culpam pelo massacre, afirmando que Custer recusou ofertas de reforços, querendo receber toda a glória por uma eventual vitória. O fato é que Touro Sentado sobressaiu-se na batalha como estrategista e organizador, pelo que seu nome ficou também registrado na história norte-americana.

Depois da batalha, Touro Sentado chocou-se com o governo norte-americano, pois o valente chefe Sioux se negava a entregar seus territórios à ferrovia, a colonos ou buscadores de ouro, em troca de ir viver em reservas. Por isso teve que fugir em 1877 com seus homens para o Canadá, onde permaneceu até 1881.

No Canadá, Touro Sentado não conseguiu obter uma porção de terras para seus índios porque a Rainha Vitória o considerava um selvagem dos Estados Unidos. Entretanto, foi nesse país que o cacique teve a graça de conhecer o missionário belga Pierre-Jean De Smet (1801-1873) [foto ao lado], grande apóstolo entre os índios, que o converteu à fé católica. É conhecida uma foto do valoroso chefe vestido a caráter, portando entre seus colares uma corrente com o crucifixo [foto abaixo].

Quando Touro Sentado voltou com os seus do Canadá, ocorreu o episódio muito controvertido de sua morte. Naquele tempo, um índio Wovoca fundara uma seita chamada “Dança dos Fantasmas”, a qual obtinha, segundo ele, que por meio da dança os índios fizessem com que no ano seguinte a terra engolisse os homens brancos das terras de suas terras silvícolas. O governo dos Estados Unidos viu nisso uma ameaça, e ficou temeroso de que, com seu prestígio, Touro Sentado aderisse com os seus àquela loucura. Por isso enviou um batalhão de polícia para detê-lo. Na luta que se seguiu à tentativa de prisão, Touro Sentado e seu filho morreram baleados pela polícia em dezembro de 1890.

O Pe. De Smet, jesuíta belga acima mencionado, cujos esforços pioneiros para cristianizar e pacificar tribos indígenas a oeste do rio Mississipi o tornaram seu bem-amado Túnica Negra, acabou se transformando em mediador entre o governo dos Estados Unidos e os índios, numa tentativa do sacerdote para garantir que terras indígenas não fossem tomadas pelos brancos.

Nascido em 1801, o religioso realizou seu sonho de trabalhar em prol dos povos nativos da América, por ocasião de sua primeira viagem missionária entre os índios Peles Vermelhas, em 1838. Fundou para eles a Missão de São José, e na sua primeira missão de paz visitou os Sioux, a fim de obter que se reconciliassem com os Potawatomis.

Entretanto, sua grande obra se desenvolveu a partir de 1840, quando alguns índios iroqueses das Montanhas Rochosas, convertidos cento e cinquenta anos antes ao catolicismo, foram a São Luís pedir que lhes mandassem um túnica preta. O Pe. De Smet foi o indicado.

Em ninguém os índios americanos confiavam mais do que no Pe. De Smet, descrito por um líder indígena como “o homem branco cuja língua não mente” e “mais poderoso que um exército”, como se evidenciou em 1851, por ocasião de uma grande conferência sobre tratado entre funcionários dos Estados Unidos e das Nações Índias Ocidentais em Fort Laramie. É impossível sintetizar nos limites de um artigo tudo o que fez esse santo jesuíta em favor dos indígenas americanos. Restringimo-nos à campanha de 1868, quando foi convencer Touro Sentado a aceitar um tratado com o governo americano para voltar às suas terras. Segundo alguns, foi nessa ocasião que Touro Sentado conheceu o Pe. De Smet e foi convertido por ele à fé católica. O tratado feito foi depois também violado pelo governo, mas De Smet não viveu para ver.

A respeito da facciosa política do governo americano em relação aos índios, em 1870 houve um incidente que muito contrariou e indignou o já ancião Pe. De Smet. O governo decidiu dividir as várias aglomerações indígenas entre diferentes denominações religiosas, sem dar nenhuma preferência aos nativos. Assim, ocorreu a outorga de pregadores protestantes para contaminarem oito mil índios católicos. O Pe. De Smet protestou junto ao Comissário de Assuntos Indígenas, que não respondeu. Escreveu então ao Secretário do Interior, de quem também não obteve resposta. A partir daí passou a desconfiar das negociações do governo com os nativos norte-americanos tanto quanto havia deplorado os esforços missionários protestantes entre eles.

Um contemporâneo do valoroso jesuíta assim o descreve: “Ele [Pierre-Jean De Smet] era genial, de boa presença e um dos homens mais santos que já conheci, e não me surpreende que os índios tenham sido levados a acreditar que ele era divinamente protegido. Era um homem de grande bondade e grande afabilidade em todas as circunstâncias; nada parecia perturbar seu temperamento”.

 O Pe. De Smet faleceu em 1873, sendo enterrado na missão de São Luís. Várias cidades dos Estados Unidos levam seu nome.

Epílogo:

Como entra aqui Búfalo Bill e sua conversão ao catolicismo?

Búfalo Bill conhecia muito bem Touro Sentado [foto ao lado], tanto assim que o convidou para fazer parte de seu show. Ora, Touro Sentado se havia convertido à verdadeira religião por intermédio do Pe. De Smet. O que leva a supor que o lendário cowboy tomou conhecimento do catolicismo por meio de Touro Sentado, não sendo, portanto, temerário supor que também tenha conhecido o jesuíta belga.

Mas enfim, diz-nos a en.wikipedia que no dia anterior à sua morte, 10 de janeiro de 1917, Búfalo Bill foi batizado na Igreja Católica pelo Pe. Christopher Walsh, da catedral de Denver. A notícia de seu falecimento, devido à sua fama ainda enorme, provocou manifestações de pesar em todo o mundo, entre as quais as do Rei Jorge V, do Kaiser Guilherme II e do Presidente Wilson.

Desfile fúnebre de Buffalo Bill com banda e soldados, Denver, Colorado

Temos por fim algumas palavras do próprio Búfalo Bill — citadas no site Religión en Libertad e possivelmente extraídas de sua autobiografia — falando de sua fé:

“Foi em minha maturidade que encontrei a Deus. [E isso] te faz ver que fácil é abandonar o pecado e servi-Lo. Só se tem que fazer o correto. Graças a isto, deixei totalmente de beber. E deixei de fazer as coisas precipitadamente, simplesmente controlando minhas paixões e temperamento quando me encontro enfadado”.

Deus, em sua misericórdia, tendo na balança tantas benemerências — e, entre elas, o coração contrito —, certamente o terá recebido em sua glória. Deixou para todos, em especial para as crianças de meu tempo de menino, uma memória luminosa de bravura e aventura — quando se apresentava heróis como modelos para os pequenos e não monstros como nos dias atuais.

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Referências:https://www.religionenlibertad.com/personajes/29564/buffalo-bill-y-toro-sentado-encontraron-la-fe-catolica-gracias-a.htmlhttps://www.britannica.com/biography/William-F-Codyhttps://en.wikipedia.org/wiki/Sitting_Bullhttps://en.wikipedia.org/wiki/Buffalo_Bill

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Plinio Maria Solimeo

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