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13 min — há 6 anos
Pela leitura do post precedente [Na Jornada Mundial da Juventude, paródia sacrílega da Anunciação], nossos leitores podem tomar conhecimento detalhado de uma representação sacrílega que, durante a recente Jornada Mundial da Juventude, no Panamá, parodiou a Anunciação do Anjo e Encarnação do Verbo de Deus no seio puríssimo da Santíssima Virgem. Tudo foi encenado diante do Papa Francisco, que no final sorriu e fez sinal de aprovação.
Em desagravo por essa gravíssima ofensa a Nossa Senhora, oferecemos aos leitores as considerações contidas nas páginas seguintes, extraídas de uma conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 23 de março de 1979 — na véspera, portanto, do dia em que a Santa Igreja celebra a Anunciação. Esta magnífica descrição da grandeza de que se revestiu a Anunciação contém os elementos para compararmos e entendermos a abominação do que foi representado diante do Papa Francisco no Panamá.
Além de ligeiras adaptações da linguagem falada para a escrita, sem revisão do autor, suprimimos alguns trechos e inserimos os subtítulos.
A sublimidade da Encarnação do Verbo de Deus no seio puríssimo de sua Mãe Santíssima e no seu contato alma-a-alma com seu Divino Filho, sendo Ela como que arquiteta e modeladora d’Ele
Uma pessoa pode ter uma presença, um timbre de voz, um jogo de fisionomia muito agradáveis, pode dizer coisas muito interessantes e expressivas. Tudo isso são dons que a Providência Divina pode dar a alguém, que poderá utilizar esses dons para fazer um grande bem ou um grande mal.
Mas, para além de todos esses dons, há outro mais atraente: o timbre de voz pode ser uma ressonância da alma, e conversando-se com a pessoa sente-se a sua alma. Pode também acontecer o contrário, e o timbre de voz ser agradável, mas não nos permitir sentir a alma. Há cantores que possuem timbre de voz muito agradável, cantam com muita correção, mas não se sente a alma deles quando cantam. E o resultado é que o público, do ponto de vista meramente sonoro, tem uma impressão agradável, mas não vibra com os cantores, pois estes não comunicaram suas almas.
O mesmo se pode dizer de um orador. Ele pode ter um timbre de voz esplêndido, mas se é desses cuja alma mora num fundo pantanoso e longínquo de sua personalidade, não encontrará boa receptividade. Trata-se com ele, ouve-se, mas se tem a impressão de que ele não está interessando, pois não há contato humano nem verdadeira comunicação humana.
Há pessoas que não têm uma grande voz, uma grande estampa, mas a alma delas de algum modo se comunica, têm verve, graça, interesse. O furor delas faz estremecer os outros, a simpatia delas comove os outros. Quando se interessam pelo que o outro diz, os outros são levados a se interessar também, ainda que digam coisas pouco interessantes, pois o modo de elas dedilharem o assunto já desperta interesse. São pessoas que têm a alma mais à flor da pele, comunicam o que os outros sentem.
Nada há que fale mais da alma de uma pessoa do que seu olhar. Pode-se ter lindos olhos, mas isso não quer dizer que se tem um lindo olhar. E pode-se ter um lindo olhar, ainda que os olhos sejam feios, pois através da forma de olhar se comunica a beleza de alma. Pode-se ter olhos muito bonitos, mas se a alma está longe não há verdadeira beleza de comunicação.
A comunicação de alma é um dos dons mais preciosos que uma pessoa pode ter. É lamentável o tipo de gente inteiramente glacial e sem expressão.
Se é verdade que o maior atrativo que a pessoa pode ter é sua alma, o contato entre os puros espíritos, no caso os anjos, deve ser muito mais interessante que o contato entre homens. Nossa face revela a alma, é verdade, mas em certa medida pode também velá-la, pois o rosto tem a capacidade de revelar ou velar a personalidade. O auge do interessante, no convívio humano, seria a comunicação entre almas que se conhecessem, sentissem e entrassem em harmonia, mútua compreensão e simpatia.
Mais ainda seria entre anjos, espíritos que se comunicam com toda a sua pureza, limpidez, grandeza, majestade e força. Há nos anjos uma ação de presença tal, que muitos santos ou místicos que tiveram visão de anjos ficaram dois ou três dias fora da vida normal. Um anjo é uma obra-prima de Deus, e se a pessoa está em condições de ver um anjo, terá um gáudio santificante e intenso.
O quadro “Dama Azul” [foto ao lado], de Thomas Gainsborough (1727–1788), representa uma inglesa de meia idade, com cara passavelmente felina, vestida de azul. Uma mulher com tanta personalidade, que fiquei encantado ao ver a pintura. Merece um artigo intitulado “Conversando com a Dama Azul”, descrevendo as impressões que ela me causava.
Imagine um quadro de um anjo, melhor ainda de um arcanjo: o Arcanjo São Gabriel aparecendo a Nossa Senhora, por exemplo. Podemos imaginar o encontro: o Arcanjo é o mensageiro de Deus, que leva as mais altas, mais esplêndidas e melhores mensagens de Deus. Portanto, tem de modo esplêndido o dom de comunicar aquilo que Deus deseja dizer, uma ressonância da palavra divina.
Nesse quadro, imaginem Nossa Senhora em sua casa de Nazaré, quando lhe aparece o Arcanjo Gabriel, um dos mais altos espíritos que está no Céu, sempre na presença de Deus. O Arcanjo faz à Virgem Santíssima uma profunda saudação, cheia de charme, nobreza, elegância e distinção. Uma majestade inimaginável, porque ele é puro espírito e Ela é apenas uma criatura humana. Entretanto ele se inclina em sinal de respeito indizível, pois Ela é rainha dele, Rainha dos anjos. Então ele presta a Ela uma homenagem, a mais bela que até então tinha sido prestada na Terra. Ela recebe aquela homenagem e se entusiasma, porque percebe Deus através do anjo.
Se entre os homens há tanto gosto num contato de alma-a-alma, apesar de nossas pobres almas encardidas, envilecidas por nossa natureza concebida no pecado original, qual foi o gáudio no contato alma-a-alma de Nossa Senhora com o Arcanjo? Qual foi o gáudio do anjo contemplando Aquela que, embora seja inferior a ele por ser uma simples criatura humana, é incomparavelmente mais alta que ele?
Poder-se-ia dizer, de modo antropomórfico, que o Arcanjo transpôs todos os espaços que vão de Deus até a cidadezinha da Judeia para conhecer de perto Nossa Senhora. É nessa perspectiva que se deve imaginar a narração do Evangelho dedicado à Anunciação: “O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: Deus te salve, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1, 26-28).
Essa simplicidade da narração evangélica tem algo de grandioso, exatamente no que se refere a esse contato de alma-a-alma. Quase se sente o Espírito Santo, quando a ouvimos. Narração simples, mas de coisas propriamente esplendorosas!
O anjo escolheu o pátio da casa da Virgem Santíssima, onde Ela estava, para entrar como um rei. No período anterior à Revolução Francesa, os reis faziam entradas solenes nas cidades, sobretudo depois da coroação. Participavam milhares de pessoas, com grande gala. Mas isso é nada, se comparado com a entrada do anjo! As palavras do anjo soam como uma música única, como nunca ninguém tocou nem tocará. Pode-se imaginar que, enquanto São Gabriel saudava Nossa Senhora, o local foi se enchendo de anjos, todos cantando e se rejubilado, sem que ninguém os ouvisse.
Entrando, o anjo disse: “Deus te salve, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres”. Cada palavra era dita de modo solene: quando pronunciou o nome de Deus, manifestou todo amor a Ele; quando se dirigiu a Nossa Senhora, manifestou toda a reverência. Nesse contato Ela resplandecia terníssima e majestosíssima, como que assumida pelo anjo.
Quando o anjo exclama “Deus te salve, cheia de graça”, não há maior elogio que se possa fazer de alguém: n’Ela só havia graça, por isso Deus a saudava e o anjo a reverenciava. Gratia plena! Cheia de graça! A palavra “graça”, pronunciada pelo anjo, adquire toda a beleza e esplendor da graça de Deus. “Gratia plena” dá ideia de plenitude, corresponde a dizer que n’Ela só existe graça. Mais ainda, todas as graças criadas para os homens estão contidas n’Ela, e d’Ela transbordariam para nós. São palavras de riqueza e majestade incomparáveis.
Prossegue a narração evangélica, dizendo que Nossa Senhora, tendo ouvido o que disse o anjo: “Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação. O anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus” (Lc 1, 29-30).
Ela cogitava no que queria dizer a revelação, prestava atenção no sentido das palavras para entender o que Deus mandava dizer. Ela raciocinava, não perdeu a distância psíquica, não se tomou de frenesi, mas cogitava no sentido daquelas palavras angélicas. Como não entendia, Ela ficou perplexa. A tal ponto que o anjo Lhe disse: “Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus”. Com certeza, Ela sentiu-se pequena diante do anjo. E este, a fim de deixá-La à vontade, disse aquilo que significava: “És maior do que eu”.
“Eis que conceberás e no teu ventre darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será chamado filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim. Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço varão? Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. E por isso o santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril, porque a Deus nenhuma coisa é impossível. Então disse Maria: Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo afastou-se d´Ela”. (Lc 1, 31-38).
Pode-se imaginar a majestade dessa proclamação. Primeiro quando o anjo pronuncia o nome de Jesus, depois quando disse que Ele “será grande e será chamado filho do Altíssimo”. Tudo isso é de tal grandeza, que é superior a qualquer cogitação. “E o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi”.
Quer dizer, era a dinastia deposta, decaída, São José carpinteiro, entretanto pertencia à casa do Rei Davi. E o filho de Maria Santíssima vai ter o trono de Davi. Ela sabia bem que esse trono era um símbolo da realeza espiritual de Nosso Senhor. “E reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim”. Tudo isso era dito por um anjo, e a grande conhecedora dos anjos ia apreciando a mensagem.
“Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço varão?”. Não é uma objeção, é uma pergunta: como será isto, se eu tenho voto de virgindade?
A Santíssima Virgem disse: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Nesse momento Ela concebeu por obra do Espírito Santo, e o Verbo de Deus se fez carne. O homem-Deus começou a viver n’Ela, lúcido inteiramente desde o primeiro instante do ser, e Ela começou a adorá-lo.
O sentido desses comentários é fazer-nos tomar o gosto pela beleza da cena e compreendermos melhor aquele momento sublime. Assim, melhor adoraremos a Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, e melhor praticaremos o culto de hiperdulia venerando Nossa Senhora. Compreendendo melhor a excelsa cena, percebendo o contato alma-a-alma de Nossa Senhora com o anjo da Anunciação, compreendemos de modo mais perfeito o contato alma-a-alma d’Ela com Nosso Senhor no claustro materno. Nisso, “Hic taceat omnis lingua” (toda língua aqui emudeça), procedemos como o Arcanjo São Gabriel, afastamo-nos também diante do mistério.
Nossa Senhora, concebida sem pecado original, conhecia tudo o que se passava nela. Num fenômeno misteriosíssimo e muito complexo da geração, cada vez que o corpo dela fornecia elementos para o corpo sacratíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo se constituir, Ela assim o desejava.
Na concessão de cada elemento para a formação do corpo d’Ele havia um aspecto simbólico, além do aspecto fisiológico. Concedendo o contributo materno para se formarem os divinos olhos do filho, por exemplo, a Santa Mãe de Deus previa tudo que o divino olhar do filho faria de bem até o fim dos tempos: o olhar que depois converteu São Pedro; o olhar de censura a Judas; o olhar que dirigiu a Ela pela última vez do alto da cruz. Diante desse olhar, todos os olhares são pobres.
O convívio de alma d’Ela com a alma humana do filho, hipostaticamente unido à Santíssima Trindade, é algo tão sublime que é inimaginável.
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 819, Março/2019.
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