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Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo

Uma declaração episcopal digna de repúdio

Por José Antonio Ureta

9 minhá 5 anos — Atualizado em: 2/20/2020, 5:50:08 PM


CNBB Norte 1

A tinta utilizada na Querida Amazônia – nome da exortação pós-sinodal do Papa Franciscoainda não havia secado e os prelados da Regional Norte 1 da CNBB já publicavam, com base nela, uma nota de repúdio a um projeto de lei do governo Bolsonaro [nota abaixo] viabilizando a exploração de recursos minerais e a geração de energia elétrica em terras indígenas. A referida nota foi pressurosamente noticiada pelo Vatican News, órgão central da rede de mídia da Santa Sé.

Os bispos citam em seu apoio o n° 14 da referida exortação, segundo oqual as operações econômicas que danificarem a Amazônia e não respeitarem osdireitos dos povos originários deveriam ser rotuladas de “injustiça e crime”. Ocondicional, assaz retórico, é da própria exortação.

Seria o Projeto de Lei 191/20 injusto e criminoso, danificaria aAmazônia e não respeitaria os direitos dos índios?

Um católico deve avaliar o respeito à justiça – ou a violação criminosa damesma – primeiramente com base na doutrina social católica e, logo depois, emfunção da legislação do país concernido.

O que ensina a doutrina social católica a respeito da utilização dosrecursos naturais de um país? O Compêndioda doutrina social da Igreja, publicado pelo Pontifício Conselho “Justiça ePaz” no pontificado de João Paulo II, nos fornece alguns elementos básicos.

O primeiro desses elementos é que “o bem comum empenha todos os membrosda sociedade” e “exige ser servido plenamente, não segundo visões redutivassubordinadas às vantagens de parte que se podem tirar” (n° 167). Esse princípioaplica-se não somente à maioria da população urbanizada, mas também àspopulações que habitam em terras indígenas.

Por causa dessa validez universal, “a responsabilidade de perseguir obem comum compete, não só às pessoas consideradas individualmente, mas tambémao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política” (n°168), para o que “o governo de cada País tem a tarefa específica de harmonizarcom justiça os diversos interesses setoriais” (n° 169). No caso em apreço,trata-se da harmonização dos interesses nacionais com os interesses daspopulações indígenas.

O segundo elemento importante a ser considerado é o princípio dadestinação universal dos bens (n° 171), que não significa “que tudo esteja àdisposição de cada um ou de todos, e nem mesmo que a mesma coisa sirva oupertença a cada um ou a todos” (n° 173), posto que a propriedade privada é umelemento essencial ao desenvolvimento individual, ao bom uso dos bens e a umareta ordem social (n° 176). Mas a destinação universal dos bens faz com que odireito à propriedade privada não seja considerado como um direito absoluto eintocável, mas esteja subordinado ao bem comum (n° 177). Também isso é válidopara o direito dos índios sobre suas reservas.

Por esse motivo, há de se reconhecer que toda forma de posse privada temuma função social em relação “às exigências imprescindíveis do bem comum”. Daí decorre“o dever dos proprietários de não manter ociosos os bens possuídos e dedestiná-los à atividade produtiva, confiando-os também a quem tem desejo ecapacidade de levá-los a produzir” (n° 178). Como é óbvio, esse dever grava nãosomente o direito dos produtores privados na exploração das suas propriedades,mas também o direito dos povos indígenas enquanto proprietários das suasreservas.

O terceiro elemento a se ter em vista é o princípio de subsidiariedade, oqual impede privar os indivíduos ou as sociedades intermediárias daquilo queeles podem realizar por força e indústria próprias a fim de confiá-lo àcomunidade nacional (n° 186), mas que, em sentido contrário, pode aconselhar oEstado a exercer uma função supletiva nas situações em que os primeiros não sejamcapazes de assumir autonomamente uma iniciativa necessária ao bem comum (n°188). É o caso, por exemplo, dos empreendimentos hidroelétricos ou de gás, queexigem grandes investimentos.

De fato, “uma das questões prioritárias na economia é o emprego dosrecursos”, para o que cada sociedade deve “empregá-los do modo mais racionalpossível, seguindo a lógica ditada pelo princípio de economia” (n° 346). Porisso, “a tarefa fundamental do Estado no âmbito econômico é a de definir umquadro jurídico apto a regular as relações econômicas”, salvaguardando ascondições primárias de uma economia livre (n° 352).

Uma vez definido esse marco jurídico, “deve-se sempre perseguir comconstante determinação o objetivo de um justo equilíbrio entre liberdadeprivada e ação pública”, o qual deve ater-se a “critérios de equidade,racionalidade e eficiência”, tendo sempre em vista o bem comum (n° 354). Oemprego racional dos recursos é uma exigência válida para todo o território deum país, incluída a Amazônia, que não merece ser transformada numa favela verde.

No que se refere ao respeito à natureza, a doutrina social da Igrejatambém fornece alguns princípios importantes, válidos para a imensa região emquestão.

O primeiro deles é que “os resultados da ciência e da técnica são, em simesmos, positivos”, pelo que “o Magistério tem repetidas vezes sublinhado que aIgreja católica não se opõe de modo algum ao progresso” (n° 457) e suasconsiderações “valem também para a sua aplicação ao ambiente natural e àagricultura” (n° 458). É o que pensa não somente a imensa maioria da populaçãoamazônica, mas também a maioria dos índios, que não querem viver de programasde assistência social, mas de seu próprio trabalho e engenho.

De fato, uma correta concepção do meio ambiente não pode absolutizar anatureza a ponto de divinizá-la, “como se pode facilmente divisar em algunsmovimentos ecologistas”, razão pela qual o Magistério tem manifestado suaoposição “e sua contrariedade a uma concepção do ambiente inspirada noecocentrismo e no biocentrismo” (n° 463). É precisamente essa sacralização daAmazônia que leva as ONGs ambientalistas e os neomissionários adeptos daTeologia da Libertação a se oporem a qualquer projeto de desenvolvimentoeconômico na Amazônia.

Nada há, portanto, na doutrina social da Igreja Católica, que se oponhaem princípio a uma exploração dos recursos da Amazônia existentes no solo dasreservas indígenas, se tal exploração for requerida pelo bem comum do País.Obviamente, a limitação dos direitos de uso e usufruto, bem como os eventuaisprejuízos que dita exploração vier a acarretar para as respectivas populaçõesdevem ser compensados, como tem sido feito em projetos prévios em outras áreasnão indígenas.

Se não há umimpedimento moral, haverá pelo menos algum empecilho legal?

Dois artigos da Constituição Federal do Brasil justificam o projeto deexploração introduzido pelo governo Bolsonaro no Legislativo.

O art. 176 estipula que as jazidas e demais recursos minerais, assimcomo os potenciais de energia hidráulica “constituem propriedade distinta da dosolo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União,garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.

Por sua vez, o inciso 3º do art. 231 declara que o aproveitamento dosrecursos hídricos e das riquezas minerais em terras indígenas “só podem serefetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidadesafetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, naforma da lei”.

Presidente Jair Bolsonaro com lideres indígenas
Foto: Carolina Antunes / Presidência da República

É precisamente isto que o projeto de lei 191/20 regulamenta. A justificação domesmo – inteiramente coerente com o ensino da doutrina social da Igreja acimaresumida – foi feita repetidas vezes pelo presidente Jair Bolsonaro, que desde asua posse defende o aproveitamento econômico de territórios indígenas:

“EmRoraima há R$ 3 trilhões embaixo da terra. E o índio tem o direito de explorarisso de forma racional, obviamente. O índio não pode continuar sendo pobre emcima de terra rica”, declarou o mandatário em abril de 2019, com o caloroso aplausode representantes de várias etnias que reivindicam o direito de explorar asreservas tradicionais.

Emconcordância com o princípio de justiça enunciado pela moral social católica, otexto do Executivo garante uma indenização às comunidades afetadas por umprojeto ao verem restringido seu direito ao usufruto dessa área de suas terras.Tal indenização deverá levar em conta o grau de restrição imposto pelo respectivoempreendimento.

Respeitandoo teor do art. 231 da Constituição, além da justa indenização, o projetoreserva às comunidades indígenas cujas áreas sejam utilizadas para a exploraçãoeconômica o direito de receber quantias volumosas a título de participação nosresultados:  0,7% do valor da energia elétrica produzida; entre 0,5% e 1%do valor da produção de petróleo ou gás natural; e 50% da compensaçãofinanceira pela exploração de recursos minerais. Calculados per capita, esses valores serão muito altos,porquanto se sabe que as populações das reservas indígenas são muito pouconumerosas em proporção com o tamanho dos respectivos territórios.

Para garantir osdireitos dos nativos e respeitar o princípio de subsidiariedade, o texto prevêainda a criação de conselhos curadores, de natureza privada, que serãocompostos por indígenas e por responsáveis pela gestão dos recursosfinanceiros. Os pagamentos deverão ser depositados pelos empreendedoresprivados, por meio de transferência bancária, na conta do conselho curador. E,na distribuição desses recursos, os conselhos curadores deverão respeitar a autonomiados povos envolvidos, o respeito aos seus modos tradicionais de organização e alegitimidade das associações representativas das comunidades indígenasafetadas.

Finalmente,qualquer projeto de exploração de recursos deverá ser antecedido por estudostécnicos acerca de sua factibilidade e caberá ao órgão ou entidade responsávelpelo estudo prévio solicitar à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) um diálogocom as comunidades indígenas, para que sejam respeitados usos, costumes etradições dos povos envolvidos.

Aplicando-se oprincípio segundo o qual o bem comum prevalece sobre o bem individual econsiderando que a propriedade privada não é um direito absoluto, se dita interlocuçãonão for possível ou a se autorização para ingresso na terra indígena não forobtida, o estudo técnico poderá ser elaborado com dados e elementosdisponíveis.

Apósa conclusão do estudo prévio, o governo federal definirá quais áreas poderãoser exploradas. No caso de minérios, as áreas autorizadas pelo CongressoNacional para a realização de pesquisa e lavra serão licitadas pela AgênciaNacional de Mineração (ANM), mas, no caso específico da lavra garimpeira, ascomunidades indígenas concernidas terão o direito de decidir realizá-ladiretamente ou em parceria com não indígenas, o que importa num direito de veto.

De todo o anterior se deduz que não há nenhum óbice moral ou legal àaprovação do projeto de lei do governo brasileiro que viabiliza a exploração derecursos minerais e a geração de energia elétrica em terras indígenas.

O repúdio dos bispos da Regional Norte 1 ao referido projeto, sob o pretextode que ele  danificará a Amazônia e nãorespeitará os direitos dos índios, é motivado pelos preconceitos ideológicosdas ONGs ambientalistas, da moribunda Teologia da Libertação e de seu filhote,o Partido dos Trabalhadores.

Ainda mais absurdo é o repúdio dos Senhores Bispos da região amazônica,o qual figura na mesma declaração, às iniciativas do governo brasileiro nosentido de dar assistência aos povos indígenas isolados, sob o pretexto de queditas iniciativas ameaçam “o direito de existência livre desses povos, com seususos, costumes, crenças e tradições”. É o isolamento a principal ameaça à existênciadesses povos.

Crime seria não lhes estender a mão e recusar-lhes saúde, educação emelhores condições de vida. Pior crime, sobretudo, seria não procurá-los no seuisolamento para lhes fazer chegar a Boa-Nova da Redenção e a fé em Nosso SenhorJesus Cristo!

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José Antonio Ureta

José Antonio Ureta

37 artigos

Chileno, membro fundador da "Fundación Roma", uma das organizações chilenas pró-vida e pró-família mais influentes; Pesquisador e membro da "Société Française pour la Défense de la Tradition, Famille et Propriété"; colaborador da revista Catolicismo e do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e autor do livro: "A mudança de paradigma do Papa Francisco: continuidade ou ruptura na missão da Igreja? Relatório de cinco anos do seu pontificado".

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