há 12 anos — 11 min
Atualizado em: 9/1/2017, 9:34:20 PM
Aos 7 anos de idade, Juninho era um menino tão inocente quanto inteligente. Olhar vivo e atento, sempre amável, sem egoísmos, fazendo tudo com a perfeição que a idade comporta, embora nem sempre compreendido por outros meninos, mais afeitos à molecagem e à velhacaria. Não gostava de ver televisão, mas aprendera facilmente as primeiras letras e lia com desenvoltura.
O livro
Certo dia, percorrendo com os olhos a biblioteca do velho avô, um livro lhe chamou especialmente a atenção. Estava colocado entre a estante de arte e a de história, com as páginas ligeiramente amareladas, algumas um tanto desbeiçadas, que indicavam um manuseio que fora freqüente. O Menino Jesus na capa. Cobrindo o livro, ligeira camada de pó atestava que há algum tempo ninguém o consultava. Seu título: “Natais de Antigamente”. Gravuras em abundância e de boa qualidade, quase a cada página de texto, tornava-o particularmente atraente. Letras grandes e parágrafos espaçados, próprios para a leitura de crianças.
Folheando-o rapidamente, Juninho agradou-se com o que pôde ver. Levou-o para seu quarto e começou a lê-lo com vagar. O livro se dividia em três partes, seguindo uma ordem histórica-cronológica inversa.
Na primeira parte, a mais extensa, encantou-se com a descrição das comemorações do Natal nos primeiros anos do século XX, período abordado pelo livro. Festa eminentemente familiar. Nos lares, o Presépio singelo, a árvore de Natal luminosa, a Missa do Galo religiosamente assistida à meia-noite, os presentes para as crianças. O almoço do dia 25, com peru recheado e sangria, congregava toda a família, em geral numerosa, com muitas crianças, o que consolou um tanto Juninho da solidão que sentia por ser filho único. Ele padecia de uma secreta tristeza por não ter outros irmãozinhos com quem brincar.
A segunda parte abordava a razão de ser da comemoração natalina. O nascimento do Menino Jesus em Belém, colocado numa manjedoura; a alegria virginal de Nossa Senhora; a seriedade casta de São José, profundamente compenetrado de seus deveres para com o Divino Infante; o deslumbramento dos pastores alertados pelo anjo para o grande acontecimento ocorrido na vizinha gruta; a adoração dos Reis Magos, chegando com seus cortejos admiráveis, suas riquezas e sua pompa, guiados por uma estrela brilhante e misteriosa. A cruel perseguição de Herodes e a matança dos santos inocentes. Ao ler aquelas páginas, Juninho não cabia em si de admiração; tomou corpo nele um desejo imenso de ver o Menino Jesus.
Numa terceira parte, à maneira de apêndice, relatavam-se algumas passagens do Antigo Testamento em que a vinda do Messias era profetizada ou prefigurada. Trechos de Isaías, de Daniel, dos Salmos, a história de Tobias, de Jó e assim por diante.
A proposta
Estávamos em dezembro, o Natal se aproximava, Juninho tentou então uma cartada ousada. Aproximou-se timidamente de sua mãe e lhe propôs:
— Mamãe, que tal comemorarmos este ano aqui em casa o Santo Natal? Compramos um peru, uma garrafa de vinho, convidamos o filho da vizinha, eu trago um coleguinha da escola, a senhora telefona para a tia Joana e pede para ela vir. Eu vi, aqui perto, exposta numa vitrine para vender, uma pequena árvore de Natal. Não é cara. A gente põe umas velinhas, uns lacinhos, talvez consigamos algumas daquelas bolas douradas e prateadas. Fica muito bonito. Eu tenho uma imagenzinha do Menino Jesus, junto com Nossa Senhora e São José, que ganhei de minha madrinha no ano passado, poderíamos montar um Presépio! Vamos fazer, mamãe!? Assim agradamos ao Menino Jesus, ele vai ficar contente.
— Que idéia Juninho! Quem pôs isso na sua cabeça? O Natal deste ano cai num sábado, já na sexta-feira ninguém trabalha, vai ser um feriadão. Vamos para a praia curtir o sol.
— Mas mamãe…
— Não, não insista. Está decidido. Eu já telefonei para uma amiga minha que mora no litoral e vamos nos hospedar na casa dela. É a um passo da praia. Saímos daqui na sexta-feira à tarde e só voltamos na segunda. Não quero choro nem vela.
Juninho não insistiu mais. Para quê?
O novo amiguinho
Estava na hora de ir para a escola, pois haveria a última aula do ano, em reposição de dias anteriormente perdidos, conforme determinado pela diretora. Juninho saiu. Enquanto percorria maquinalmente o caminho, já tão conhecido, ia com a mente povoada de pensamentos tristes por não poder comemorar o nascimento daquele Menino adorável. Tão absorto estava que não notou um outro menino, mais ou menos de sua idade, que se aproximava dele, o fitava e acabou por interpelá-lo:
— Ei, você, no que está pensando? Parece que está com a cabeça no mundo da lua.
— Ah! Estou pensando no Menino Jesus, em Nossa Senhora, nas festas de Natal de outrora… Mas… você quem é?
— Eu me chamo Rafael e estou procurando um amiguinho para poder conversar um pouco, me distrair. Você não quer conversar um pouco comigo?
— Olha Rafael, eu me chamo Juninho, mas eu só gostaria de conversar se fosse sobre o Natal.
— Combinado! Eu tenho muitas coisas a lhe contar sobre isso. Inclusive eu vou participar de uma festa de Natal maravilhosa no dia 24.
— Éééé… Vai ter presépio?
— Claro, indispensável, e dos mais autênticos!
— E árvore de Natal?
— Também, uma cheia de luzes, maravilhosa!
— Nooooossa!
— Você não quer vir a essa festa? Vai ter manjares dos mais deliciosos.
— Mas… eu posso?
— Claro, é só você querer.
— Eu quero e quero muito, mas não tenho dinheiro para pagar.
— Deixe de bobagens, ninguém vai lhe cobrar nada.
— Mas minha mãe não vai me deixar. Ela quer que eu vá com ela para a praia.
— Olha Juninho, vamos combinar uma coisa. No dia 24 eu passo na sua casa e levo você comigo para a festa.
— E minha mãe?
— Deixe sua mãe por minha conta, eu sei como agir e ela não vai impedir você de ir. Só não diga nada a ela antes da hora.
O segredo
— Eu nem sei como lhe agradecer, Rafael, mas você acha que vai dar certo?
— É claro! Mas você quer mesmo ir? Quer?
— Quero de todo coração.
— Está bem, então vou lhe contar um segredo. Promete não contar a ninguém antes da festa?
— Prometo. E depois da festa, posso contar?
— Depois pode contar a quem quiser, mas antes não.
— Qual é o segredo?
— Se as pessoas que vão a essa festa rezarem muito a Nossa Senhora, com muito fervor, muito desejo, pode ser que Ela traga o próprio Menino Jesus para a gente adorar.
— Mas isso é possível?
— A Deus nada é impossível! E a oração confiante atrai os favores de Deus.
Assim conversando, chegaram à escola. Despediram-se amigavelmente e Juninho entrou para a aula. Só que, naquele dia, não conseguiu prestar atenção em nada do que a professora dizia. Pensava na festa, no Menino Jesus, em Nossa Senhora.
A negativa da mãe
Ao chegar de volta à casa, sua mãe logo estranhou.
— Juninho, o que há com você?
— Nada mamãe, por que pergunta?
Ele não sabia, mas aquela nota de tristeza, que sempre marcava seu semblante, havia desaparecido, seu rosto parecia mais brilhante, seu olhar mais profundo. E as mães têm um senso psicológico especial para perceber o estado de espírito dos filhos.
— Você está diferente. Conte-me o que houve.
— Olha a única coisa que tenho para contar é que encontrei um amiguinho novo e gostei muito dele. Acho que ele também gostou de mim, pois disse que vinha me visitar aqui no dia 24.
— Na véspera de Natal… Mas você não o avisou de que nesse dia nós vamos sair para a praia, e que é melhor ele não vir?
— Eu disse mamãe, mas ele quer vir assim mesmo.
— Ora, o importuno! Se ele aparecer nesse dia não vou deixá-lo entrar. Se quiser, que volte na outra semana.
Os olhos de Juninho se encheram de lágrimas. Ele procurou disfarçar e subiu para seu quarto, no andar superior. Ali, ajoelhou-se junto a sua cama e começou a rezar. Pedia fervorosamente a Nossa Senhora para que Ela o ajudasse e ele pudesse ir à festa de Natal. E acrescentou:
— Minha Mãe querida, dai também um jeito de levar o Menino Jesus para a festa. Eu não sei como isso é possível, mas o Rafael me disse que Vós podeis tudo junto ao Coração de Jesus. Eu gostaria tanto de ver o Menino Jesus, mas tanto…
Visita inesperada
Chegou afinal a véspera de Natal. A mãe de Juninho se afanava nos preparativos para a viagem. Ele a ajudava fazendo o que ela mandava, mas seu coração e seu pensamento estavam longe. Em certo momento, ela lhe disse:
— Juninho vá agora para seu quarto, descanse um pouco e depois prepare-se para a viagem. Ponha aquela roupa esporte que está no armário, a camisa estampada e o tênis. Depois prepare sua mala, com roupa de banho, toalha e tudo o mais que é necessário para a praia. Você já está grandinho e precisa aprender a fazer essas coisas sozinho. Quando estiver tudo pronto, desça, pois vamos pegar um taxi até a Estação Rodoviária. Já estou com as passagens compradas.
Juninho subiu as escadas, entrou em seu quarto e deitou-se na cama. Os pensamentos atropelavam-se em sua mente infantil, sem que ele soubesse como coordená-los. Seu coração palpitava de modo pouco comum. Perdeu a noção do tempo. Só voltou à realidade quando percebeu um ligeiro ranger da porta, indicando que ela estava sendo aberta.
— É a senhora, mamãe? Já está na hora?
Olhou então naquela direção e, surpresa!
— Rafael, você aqui! Como entrou? Como chegou até aqui?
— Depois lhe conto Juninho, agora não temos tempo. Precisamos sair logo para ir à festa de Natal.
— Mas mamãe não vai deixar…
— Não se preocupe, está tudo resolvido. Ela não vai levantar nenhuma objeção.
— Você conseguiu Rafael! Oh muito obrigado. Mas me diga uma coisa, o Menino Jesus vai aparecer?
— Você rezou a Nossa Senhora nesse sentido?
— Ah sim, rezei muito.
— Então… Mas vamos rápido para não chegarmos atrasados.
Todo esse diálogo se passou com Juninho ainda deitado. Quando ele fez menção de levantar, Rafael lhe disse:
— Espere. A partir de agora eu preciso conduzi-lo com cuidado. Dê-me a sua mão.
A festa
Enquanto tal cena se desenrolava no quarto de Juninho, no andar de baixo a mãe do menino começava a preocupar-se.
— Esse menino não desce. Vou lá em cima buscá-lo.
Subiu rapidamente os degraus da escada, dirigiu-se ao quarto do filho e abriu a porta. Imediatamente viu-se envolvida por um perfume de lírio, que embalsamava todo o ambiente. Instintivamente procurou de onde vinha tão agradável aroma, e viu sobre a cama, o pequeno Juninho que, com um sorriso nos lábios, jazia sem vida. Sua fisionomia demonstrava uma alegria angélica. Chamava a atenção seu gesto muito elegante: o braço direito, um pouco esticado, com os dedos da mão semi-cerrados, como se estivesse segurando a mão de alguém invisível. Sobre um pequeno móvel, ao lado da cabeceira da cama, o livro que Juninho retirara da biblioteca do avô estava aberto, deixando ver claramente uma gravura de página inteira: o anjo Rafael conduzindo pela mão o jovem Tobias, em meio aos perigos deste mundo.
Uma inspiração interior fez então a mãe de Juninho compreender que, naquele momento, seu filho participava da mais bela de todas as festas de Natal, aquela que se celebra eternamente no Céu, com a presença dos anjos e dos santos, em torno de Nossa Senhora e do Menino Jesus.
Aos prantos ela se ajoelhou diante da cama e disse: Meu filho, reze por mim.
Daniel Martins
320 artigosVoluntario do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira. Articulista na Revista Catolicismo e na Agencia Boa Imprensa. Coordenador do Canal dos Santos Anjos no YouTube: https://www.youtube.com/c/CanaldosSantosAnjos/
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