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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

O sofrimento de alma em Nosso Senhor e na Santíssima Virgem


Comentários do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre as cerimônias de Semana Santa em Sevilha, durante conferência para sócios e cooperadores da TFP no dia 23-9-1981

Não é raro encontrar imagens que procuram representar em Nosso Senhor Jesus Cristo as dores que padeceu na Paixão, e as de Nossa Senhora compadecendo-se dos sofrimentos de seu Divino Filho. Algumas delas mostram bem os sinais físicos da dor, mas sem expressar suficientemente o sofrimento de alma que ambos tiveram.

Uma imagem assim é a de Nossa Senhora das Dores, com o Coração Imaculado e Sapiencial transfixado por sete gládios, que representam suas sete dores. A atitude dela é de aflição, que transparece no rosto. Embora esteja aí indicada a dor, a expressão é plácida e serena, e se tem a impressão de um padecimento mais de superfície, pois o fundo da alma parece indiferente ao que se está passando.

Nas procissões da Semana Santa em Sevilha, várias imagens espelham bem exatamente o contrário desse aspecto superficial. A tristeza, a amargura e a dor de alma transparecem extraordinariamente. Aplica-se a cada imagem esta expressão das Sagradas Escrituras, que a Igreja atribui a Nosso Senhor: Ecce in pace amaritudo mea amarissima — Eis na paz a minha amargura muito amarga (Isaías 38, 17). Ele passava por uma amargura, uma verdadeira aflição que lhe transpassava a alma, mas sua alma permanecia em paz. Uma situação pungente ao máximo.

Essas imagens que expressam o sofrimento de alma de Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima ressaltam a autenticidade da Paixão. Por mais terrível que tenha sido cada um dos passos d’Ele e d’Ela naqueles dias, que rememoramos sobretudo durante a Semana Santa, os sofrimentos de alma foram muito maiores, muito mais terríveis que as dores físicas.

Jesus del Gran Poder

Em Sevilha, uma das mais extraordinárias imagens de Nosso Senhor representa-O num momento de humilhação, carregando a cruz, a caminho do Calvário para ser crucificado. Imagem que os espanhóis chamam — num paradoxo cintilante de glória e de profundidade de vistas — de Jesus del Gran Poder. Há nessa invocação uma afirmação de fé, uma compreensão em profundidade do que a fé ensina a esse respeito: mesmo na humilhação, Jesus mantinha seu grande poder. E há um desafio às forças das trevas que tramaram a condenação do Divino Salvador.

Outra imagem, que mostra o realismo magnífico da imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo morto, atrai muito a minha a atenção. Nota-se na compleição física a impressão da morte do Redentor, que se entregou para resgatar o gênero humano. Magnífica imagem, cuja dignidade é suficientemente alta para representar o Homem-Deus após sua crucifixão.

O Varão das Dores e a Dama das Dores

Jesus del Gran Poder saindo de sua
Igreja para ser homenageado pelos
devotos durante a Semana Santa

Quem procura imergir nas dores da Paixão e Morte de Nosso Senhor e no padecimento compassivo de Nossa Senhora, deixando de lado suas preocupações para revestir-se do tema e pensar apenas n´Ele, pode participar efetivamente daquele drama divino. Abstraindo das circunstâncias comuns da vida cotidiana, e desejando que a própria alma realmente reaja como deveria reagir naquele momento do sacrifício, no fundo está participando daquela dor. Esquece tudo o que diz respeito a ela mesma, e transforma-se num varão de dor acompanhando o Varão das Dores e a dor da Dama das Dores.

Uma invocação também verdadeiramente magnífica é Nossa Senhora da Graça e da Esperança. Invocação carregada da certeza de atendimento e da ajuda maternal.

Um aparato muito adequado

Qual o motivo daqueles longos capuzes nas procissões de Semana Santa? O anonimato aí se impõe, daí o capuz que vela o rosto; e também a túnica que vela o traje e encobre a identidade das pessoas, transformando-as em sombras que caminham atrás de Nosso Senhor, contemplando a imagem da dor e lamentando a sua dor. Tem-se a impressão da multidão dos fiéis ao longo dos séculos, sem nomes próprios, cuja identidade só Deus conhece.

Chamam-me a atenção os lindíssimos pálios. Alguns são verdadeiramente monumentais, têm uma riqueza muito grande que nos lembra a riqueza colonial da Espanha. Sinto uma alegria especial, pensando que foram confeccionados com o ouro da América. Ainda que se descobrisse a América só para fornecer esse ouro, já estaria bem empregado.

Todo esse aparato simboliza uma longa série de ideias e considerações, presentes nas mentalidades até o ponto auge, que é a fé na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e na Redenção do gênero humano. É um conjunto não menos belo que o de Clóvis [rei dos Francos, séc. VI] com seus guerreiros, bradando: “Por que não estávamos lá [em Jerusalém, nos dias da Paixão de Nosso Senhor] com nossos francos?”. A disposição de espírito de todos eles era que, se lá estivessem, impediriam aqueles esbirros de crucificar nosso Salvador.

Procissão de Domingos de Ramos, em Sevilha
Procissão de Domingos de Ramos, em Sevilha

Meditando na Paixão de Nosso Senhor

Aquela série de imagens e confrarias que percorrem as ruas de Sevilha se deve a que cada imagem representa um passo e um episódio da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor. E a Paixão deve ser meditada ponto por ponto, aspecto por aspecto, episódio por episódio. As diversas imagens desfilam, mais ou menos como se faz ao rezar a Via Sacra, ou então ao contemplar os cinco mistérios dolorosos do Rosário (Oração no Horto, Flagelação, Coroação de Espinhos, Caminho do Calvário e Crucifixão). A pessoa vai acompanhando cada mistério e pensando como foi aquele momento, fazendo uma longa meditação sobre a Paixão de Nosso Senhor.

Essas meditações não são feitas apenas pelos que conduzem os andores com as imagens e pelo povo que acompanha ou assiste à procissão. São feitas por todos os fiéis, durante todos os séculos passados. Aquelas imagens foram impregnadas do calor incomparável da Contra-Reforma, por tantos que lutaram contra o protestantismo, pelos grandes Santos da Contra-Reforma, como Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loyola e outros.

Gerações sucessivas de andaluzes, sevilhanos, espanhóis de várias regiões, católicos de todas as nações que afluem nos dias da Semana Santa, todos estão ali para contemplar os passos do Redentor e as dores de Nossa Senhora. Em certo sentido, algo extra-temporal se encontra ali, meditando na Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 820, Abril/2019. Para efetuar uma assinatura da revista enviei um e-mail para catolicismo@terra.com.br

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Plinio Corrêa de Oliveira

Plinio Corrêa de Oliveira

551 artigos

Homem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".

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