Portal do IPCO
Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Advertências inúteis


Às vezes me sinto inibido em recordar o óbvio ululante. Vamos lá, conto com a benevolência do eventual leitor. A China é país comunista. Seu governo, expansionista, imperialista, ditatorial e totalitário, é exercido por um só partido, o Partido Comunista da China (PCC), marxista, coletivista e ateu. Lá, só como piada se pode falar em democracia e direitos humanos. Na América do Sul um dos dois maiores apoios à ditatura assassina de Maduro, que lota Roraima de refugiados miseráveis, é a China (o outro, a Rússia). Na Ásia, sustenta a tirania da Coreia do Norte (maior apoio dela) e tem dado sinais gritantes de que será implacável na repressão às reivindicações de liberdade da população de Hong Kong. O PCC, que infelicita a China, tem rumo ideológico claro, conduta constante e previsível, conhecida política de Estado.

As empresas estatais chinesas agemsegundo os interesses do PCC e do governo chinês; promovem com obediênciacanina a política de ambos. São, em sua esmagadora maioria dirigidas pormembros do PCC. É congruente, pois, que o PT, nos governos Lula e Dilma, tenhasido fervoroso partidário de toda forma de aproximação com a China; no caso, emespecial, favorecia a compra de ativos brasileiros por estatais chinesas. Atéaqui, o óbvio ululante. O que vem abaixo, espero, também é claro como água dopote.

O governador de São Paulo voltou deviagem oficial à China, para onde foi à frente de comitiva de 35 políticos eempresários. Naquele país assinou protocolo de intenções com o presidente da ChinaRailway Construction Corporation Limited (CRCC) para investir em trêsprojetos: trem intercidades, despoluição dos rios Pinheiros e Tietê e,terceiro, linha 6 do metrô. São projetos, anunciados de momento como PPP(Parceria Público Privada), estimados em 22 bilhões de reais. O governadorcelebrou o fato: “Assinamos memorando comgigante chinesa da área metroviária.” João Dória ainda anunciou tratativasde negócios com a COFCO no terreno da agricultura. Escreveu: “Em Pequim, a multinacional COFCO, que já atuano Brasil anunciou que quer expandir seus investimentos em São Paulo”. Disseo governador em vídeo: “São Paulo devecompetir internacionalmente oferecendo até financiamentos para que maisinvestimentos sejam feitos o mais rápido possível”. Depois de dizer que osinvestimentos chineses são muito bem-vindos sublinhou que a China “é investidora, construtora e operadora”.

No sábado, 10 de agosto, em artigo exultantesobre o êxito da ida à China publicado no “O Estado de S. Paulo”, espécie deprestação de contas, afirmou que a China já tem 70 bilhões de dólaresinvestidos no Brasil. (Segundo a Secretaria deAssuntos Internacionais (SEAIN) do Ministério do Planejamento é mais; desde2003 em 269 projetos houve investimentos chineses anunciados e confirmados de124 bilhões de dólares.) Assevera João Dória: “Em São Paulo, por exemplo a StateGrid comprou o controle da CPFL,que produz e fornece energia a quase 10 milhões de clientes. Criamos um amploprograma de desestatização, concessões e privatizações. Em Pequim, tivemos umaprodutiva reunião com a CRCC. Em Xian, nos reunimos com a CR20. Desejamosestimular mais operações chinesas nos portos de Santos e São Sebastião. Fezparte de nosso encontro com a COFCO. A China tem o Brasil como parceiro egarante investimentos no país pelas mais diversas fontes, recursos parainvestimentos do Banco de Desenvolvimento da China, a Sinosure e o Claifund”.Termina com ditirambos: “Confio naspalavras do presidente Xi Jinping que disse que ‘a porta da China se abrirácada vez mais’. Trabalho, planejamento e educação fizeram da China uma grandepotência econômica. Estreitar nossos laços, aumentar a confiança mútua eampliar nosso mercado bilateral são prioridades”.

Vamos às empresas citadaspelo governador como “investidoras”, “multinacionais”, “gigante chinesa”, quevão colaborar em programas de desestatização, privatização e concessões. ACRRCC é estatal. A COFCO é estatal. A CR20 é estatal. A State Grid é estatal. ASINOSURE é estatal. O Banco de Desenvolvimento da China é estatal. O Banco dosBRIS é banco estatal. O CLAI Fund é órgão estatal. Nenhum grupo empresarialprivado foi citado. De passagem, noto, o ConselhoEmpresarial Brasil-China afirma em relatório que 87% do investimento chinês doBrasil tem origem estatal, 13% são de origem privada. Aqui, digo eu, na grossamaioria dos casos, as empresas privadas chinesas que investiram no Brasil,fazem o que quer o governo chinês.

Relembro, o governador reiterouestava levando adiante “amplo programa dedesestatização, concessões e privatizações”. Infelizmente é impossívelevitar a associação com o newspeak (novilíngua) do romance 1984 doescritor inglês George Orwell. Na novilíngua, sabemos, em muitos casos apalavra quer dizer exatamente o contrário do que tradicionalmente significa.João Dória anuncia pomposamente como gigantesco programa de privatização umaação política que vai transferir ativos estatais brasileiros para empresasestatais controladas pelo governo e Partido Comunista Chinês.

Aliás, tal novilíngua corresolta no Brasil e aqui João Dória é apenas mais um exemplo. A grande imprensa,políticos e empresários em geral falam de “investidores chineses”, “empresaschinesas”, “capitais chinesas”. Parece, um bruxedo invade tudo e trava a língua.A realidade óbvia — no mais preocupante, estatais chinesas comprando ativos noBrasil — é noticiada por meio de eufemismos enganadores. Vivemos há anosimersos a respeito em silêncio tóxico, respiramos um ocultamento fraudulento.

Uma luzinha. Termino comtrecho de relatório recente intitulado “China– Direções globais de investimentos 2018” de responsabilidade conjunta doConselho Empresarial Brasil-China e da Apex. A linguagem é cauta, aveludada,não é escarrapachada como a minha, mas a realidade descrita é a mesma: Outroponto que desperta receio é a forte presença das empresas estatais no processode internacionalização. Nesse sentido, alguns países como os Estados Unidos,Alemanha, França, entre outros têm elevado os padrões de avaliação para aentrada do investimento chinês sob a justificativa de proteção de áreasestratégicas (World Investment Report, 2017). […] O sistema regulatório deconcessões deve ser acompanhado para que não se criem monopólios de empresasestatais em áreas de infraestrutura”.

Ou seja, Estados Unidos,Alemanha, França entre outros países, temem investimento estatal chinês e querempôr limites, regulamentar — pôr o sarrafo mais alto. Na linha de grandespotências do mundo, ecoando a preocupação, o Conselho Empresarial Brasil-China ea APEX alertam para o risco de monopólios chineses estatais em áreas dainfraestrutura no Brasil. No frigir dos ovos, terão sido também advertênciasinúteis, contidas em relatório de órgão relevante, mas com efeito finalparecido às minhas, divulgadas por mero particular de parcos meios? Não sei.Sei uma coisa, estamos merecendo o título ignóbil de campeões mundiais daimprudência, pois nos despreocupa a soberania nacional, independência e interessesestratégicos, levados a sério nos Estados Unidos, Alemanha, França e em tantosoutros países, como afirma o referido relatório. A continuidade nessa rota dedeclive nos afundará lá na frente na condição de protetorado efetivo, ainda queinconfessado. Faz falta na vida pública brasileira não só a honestidade no usodo dinheiro público. Congruente com ela é a honestidade na linguagem, evitandotermos como privatização e multinacionais chinesas, quando o programa favorecerde fato a estatização e o monopólio (chineses). Agentes: as estatais chinesas.A terminologia correta é essa última, cujo emprego trará despoluição doambiente público, tão necessária quanto a despoluição do Tietê e do Pinheiros.

Detalhes do artigo

Autor

Péricles Capanema

Péricles Capanema

184 artigos

Analista político e colaborador do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

Categorias

Tags

Comentários

Seja o primeiro a comentar!

Comentários

Seja o primeiro a comentar!

Tenha certeza de nunca perder um conteúdo importante!

Artigos relacionados