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7 min — há 3 anos — Atualizado em: 10/15/2021, 6:31:08 AM
100 anos do PPCh e os frutos amargos do acordo entre o Vaticano e a China
O Partido Comunista Chinês (PCCh) está celebrando neste ano, não sem estardalhaço, o centenário de sua fundação.
Como preparação para o evento, Xi Jinping, Secretário Geral do Partido Comunista e Presidente da China, pronunciou em 18 de outubro de 2017 um importante discurso aos 2.280 delegados reunidos no XIX Congresso do PCCh. Nessa ocasião, ele fez um balanço das realizações do partido nesse século de existência. Seu discurso incluiu prestação de contas, diretrizes, planos e metas para o grande objetivo de construir o socialismo com características chinesas para uma Nova Era.[1]
Xi Jinping — apelidado de o “Grande Timoneiro.versão.2”, em referência a Mao Tsé-Tung, o “Grande Timoneiro” por antonomásia[2] —, reafirma o rumo do fortalecimento da China e da autoridade do PCCh sobre o povo e o Estado. Na tradução oficial em inglês, o verbo strengthen (fortalecer) e derivados aparecem 117 vezes…
Na realidade, o PC chinês constitui uma mistura de ditadura política, dirigismo econômico, além de forte nota nacionalista. Ele criou um estado e está moldando uma sociedade apresentada como modelo, especialmente para os países subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento, como o Brasil).
O modelo proposto: ditadura de partido único
Em matéria política, o modelo proposto é a ditadura do partido único: “A China é um país socialista da ditadura democrática do povo sob a liderança da classe trabalhadora baseada em uma aliança de trabalhadores e agricultores; é um país onde todo o poder do Estado pertence ao povo” (p. 32).[3]
“Devemos defender os quatro princípios cardeais: manter o caminho do socialismo, defender a ditadura democrática do povo, defender a liderança do Partido Comunista da China, e defender o marxismo-leninismo e o Pensamento de Mao Tsé-Tung” (p. 10).
Ditadura do partido: total, onímoda, onipresente
Esta ditadura do Partido é total, onímoda, onipresente. Nenhuma área ou setor de atividade escapa à vigilância e controle do Partido. Basta lembrar que é o Governo (no fundo, o Partido) quem determina quantos filhos alguém pode ter.[4]
“Cada um de nós no Partido deve fazer mais para defender a liderança do Partido e o sistema socialista chinês, e opor-se resolutamente a todas as declarações e ações que as minam, distorcem ou negam” (p. 14).
“Deixa claro que o traço que define o socialismo com características chinesas é a liderança do Partido Comunista da China; a maior força do sistema de socialismo com características chinesas é a liderança do Partido Comunista da China; o Partido é a maior força para a liderança política” (p. 18).
“O partido exerce a liderança geral sobre todas as áreas de atuação em todas as partes do país. Devemos fortalecer nossa consciência da necessidade de manter a integridade política, pensar em termos de grande imagem, seguir o núcleo de liderança e manter o alinhamento. Devemos nos esforçar mais para manter a autoridade e a liderança centralizada e unificada do Comitê Central, e seguir de perto o Comitê Central em termos de nosso pensamento, orientação política e ações” (p. 18).
“Devemos fortalecer a capacidade e determinação do Partido para traçar nosso rumo, elaborar planos gerais, traçar políticas e promover reformas; e devemos assegurar que o Partido sempre forneça liderança geral e coordene os esforços de todos os envolvidos” (p. 18).
“Sustentar a liderança absoluta do Partido sobre as forças armadas do povo. Construir forças populares que obedecem ao comando do Partido” (p. 20).
Religião “com características chinesas”
Este socialismo com características chinesas implica obviamente uma Religião com características chinesas. O que significa uma Igreja Nacional cismática, controlada pelo PCCh e colocada a serviço do comunismo.
Isto é o que determina o relatório Xi Jinping: “Implementaremos totalmente a política básica do Partido sobre assuntos religiosos, defenderemos o princípio de que as religiões na China devem ter orientação chinesa e forneceremos orientação ativa às religiões para que possam se adaptar à sociedade socialista” (p. 35).
O acordo sino-vaticano
Foi precisamente neste contexto que em setembro de 2018 o Papa Francisco estabeleceu o acordo secreto entre o Vaticano e a China, o qual legitimou o controle do Partido Comunista sobre a Igreja chinesa.
De fato, a única Igreja na China reconhecida pelo Vaticano é aquela em que o poder de nomear bispos é “compartilhado” entre a Santa Sé e o Governo de Pequim, ou em outras palavras, o Partido Comunista Chinês.
A chamada “Igreja Subterrânea”, que prefere sofrer perseguição e martírio para conservar a Fé e permanecer fiel a Roma, é completamente ignorada pelo Vaticano, como se não existisse.
Adaptação da religião à sociedade socialista
A “adaptação da religião à sociedade socialista”, mencionada no relatório Xi Jinping, foi implementada com a ordem dada aos fiéis de se unirem ao “povo chinês” na comemoração do centenário do Partido. Ao mesmo tempo, eles foram proibidos de promover peregrinações ao santuário mariano nacional da China.[5]
A “Igreja oficial”, naturalmente, foi rápida em mostrar sua lealdade à linha do Partido: “Todas as comunidades, todas as dioceses promoveram congressos, apresentações, dramatizações e até peregrinações aos lugares históricos do Partido Comunista”.[6]
Já no dia 20 de junho de 2021, o site Persecution.org relatou: “Em 1º de julho, o Partido Comunista Chinês (PCCh) celebrará um século de existência. Em antecipação a esse grande evento, grupos religiosos, entre os quais igrejas afiliadas ao governo, estão usando vários locais para exaltar a grandeza do PCCh”.
“Além de pedir às pessoas religiosas que aprendam a história do partido, façam uma ‘peregrinação’ para visitar locais revolucionários, ou promovam exposições em locais religiosos, alguns grupos religiosos voluntariamente patrocinaram eventos para celebrar o centenário”.[7]
Os atos comemorativos do centenário do Partido que há 100 anos vem perseguindo a Igreja, promovidos pela Associação Católica Patriótica Chinesa, incluíram “Missas em ação de graças e louvor pela bênção que é o PCCh”.[8]
Frutos amargos do acordo sino-vaticano
Neste contexto, um novo bispo — o quinto desde que a Santa Sé assinou o acordo secreto com as autoridades chinesas — foi consagrado na China em 28 de julho.
Nas vésperas dessa consagração, o Padre Joseph Liu, da diocese de Mindong (Fujian), foi detido pela polícia por sua recusa em aderir à Igreja do Partido. De acordo com fontes da agência AsiaNews, ele foi submetido a uma violência terrível em razão de sua resistência: “Após torturá-lo por 10 horas, seis policiais o pegaram pela mão e o forçaram a assinar”. A perseguição aos religiosos católicos não cessa.[9]
Na verdade, nos três anos desde que esse acordo foi assinado, a situação dos católicos clandestinos, que não querem se juntar à Igreja oficial, tem sido muito diferente daquela dos fiéis sob a liderança da Associação Patriótica aprovada pelo governo.
Para a comunidade católica subterrânea, a vida tem sido “muito dura”, explicou o Pe. Bernardo Cervellera, sacerdote missionário e editor-chefe da AsiaNews.
“Temos visto alguns conventos de irmãs destruídos, igrejas fechadas. Vimos padres escorraçados de suas paróquias e alguns seminaristas proibidos de estudar teologia […] também bispos que são presos ou postos em prisão domiciliar total, 24 horas por dia”.[10]
Pior perseguição desde a Revolução Cultural de Mao
A perseguição não só não cessou após o acordo, como se intensificou:
“Nos últimos dois anos, no entanto, o PCCh tem conduzido a pior perseguição da religião desde a Revolução Cultural. Sob o programa de ‘sinicização’ do presidente Xi Jinping, o PCCh tentou substituir a religião pelo marxismo e valores ‘socialistas’. A China está demolindo igrejas, prendendo milhares de clérigos e fiéis e colocando severas restrições e proibições à liberdade de culto”.[11]
Estes são os frutos amargos (mas previsíveis) do acordo sino-vaticano, estabelecido pelo Papa Francisco em setembro de 2018.
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Notas:
[1] Xi Jinping’s report at 19th CPC National Congress. http://www.xinhuanet.com/english/special/2017-11/03/c_136725942.htm
[2] A expressão é do jornalista Matthias von Hein, antigo editor-chefe do departamento chinês da agência de notícias alemã DW-Deutsche Welle. Ver Matthias von Hein. “Opinião: Xi Jinping, o “grande timoneiro” versão 2.0”. https://www.dw.com/pt-br/opini%C3%A3o-xi-jinping-o-grande-timoneiro-vers%C3%A3o-20/a-41094733. 13/07/2021
[3] Os números entre parênteses correspondem às páginas do documento em formato PDF: Xi_Jinping’s_report_at_19th_CPC_National_Congress.pdf.
[4] Kenneth Pletcher. “One-child policy”. Encyclopædia Britannica. https://www.britannica.com/topic/one-child-policy. 9/9/2021 11:24 AM
[5] Courtney Mares. “Catholics in China told to celebrate communist party and forgo Marian pilgrimage,” https://www.catholicnewsagency.com/news/248676/catholics-in-china-told-to-celebrate-communist-party-and-forgo-marian-pilgrimage 9/6/2021 4:54 PM
[6] Courtney Mares. “Catholics in China told to celebrate communist party…”
[7] “Chinese State-Vetted Churches Praise CCP to Celebrate the Party’s Centennial.” https://www.persecution.org/2021/06/20/chinese-state-vetted-churches-praise-ccp-celebrate-partys-centennial/ 6/29/2021 11:31 AM
[8] “Chinese State-Vetted Churches Praise CCP…”
[9] “Chinese State-Vetted Churches Praise CCP…”
[10] Courtney Mares. “Catholics in China told to celebrate communist party….”
[11] Ver: Pope Francis’s New Ostpolitik with Communist China Is Just Like the Old OneOctober 21, 2020 | James Bascom. https://www.tfp.org/pope-franciss-new-ostpolitik-with-communist-china-is-just-like-the-old-one/
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