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Plinio Corrêa de Oliveira
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Culto à Pachamama e risco de cisma na Igreja


O vaticanista americano John Allen prognosticou no site Crux, do qual é diretor, que daqui a alguns anos as pessoas se lembrarão realmente, sobre o recente sínodo da Amazônia, não das suas conclusões, mas do “episódio da Pachamama” — a Mãe-Terra dos índios do altiplano andino.[1] Ele se referia à cerimônia pagã celebrada por militantes da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), na presença do Papa Francisco e de Dom Cláudio Hummes, sob o pretexto de plantar nos jardins do Vaticano, no dia da festa de São Francisco, uma árvore trazida de Assis.

Duranteum ritual em torno de uma manta posta no chão, sobre a qual estavam dispostasduas estatuetas de mulheres nuas e grávidas, na posição de dar à luz (e que oPapa Francisco identificou depois como sendo “estatuetas da Pachamama”), osparticipantes fizeram uma ciranda e sucessivas prosternações, levando a fronteaté a terra, tudo isso entremeado com invocações e cantos.

Doisdias depois, o referido ídolo da Pachamama estava disposto dentro de uma canoacom outros objetos, diante do altar onde foi celebrada uma liturgia deinauguração do Sínodo, após ser carregada em procissão e colocada junto à mesaprincipal. Ela deveria posteriormente presidir as sessões do Sínodo. Cópias dosídolos foram levadas à igreja de Santa Maria in Traspontina, onde se celebraramoutros rituais idolátricos.

O jovemaustríaco Alexander Tschugguel, convertido do luteranismo, retirou-as dosaltares e as jogou nas águas do Tibre. Declarou depois que a leitura do livro Revolução e Contra-Revolução,de Plinio Corrêa de Oliveira, foi o quemais o convenceu a se tornar católico.

Doutrina panteísta penetrando na Igreja

Ednamar de Oliveira Viana, a xamã que dirigiu o ritual nos jardins do Vaticano na presença do Papa Francisco

O siteVatican News, da Santa Sé, publicouno dia 4 de outubro, data do primeiro ritual na presença do Papa, umadeclaração de Ednamar de Oliveira Viana,[2]a xamã que dirigiu aquele ritual. Ela não deixa dúvidas quanto ao caráter pagãoe panteísta do culto realizado. O texto afirma que plantar “é acreditar numa vida a crescer e frutificar, para saciar a fome dacriação da Mãe Terra”. Daí se pode concluir que a natureza não seria umacriação direta de Deus, como diz o Gênesis, mas da Mãe Terra. “Isso [o gesto de plantar] nos leva à nossa origem, religando aenergia divina, e nos ensina o caminho de volta ao Pai Criador”.

Nossaorigem é mesmo o barro, do qual fomos criados, mas pela mão do próprio Deus, enão por qualquer “energia divina” daqual teríamos emanado. Também o retorno ao Pai é fruto da graça sobrenatural,obtida pela Redenção de Jesus Cristo, e não de um regresso à terra, queserviria de intermediária para a reconexão com a divindade.

Maisadiante o texto afirma que o Sínodo se reuniria para fazer com que “os povos amazônicos fossem ouvidos erespeitados em seus costumes e tradições, vivenciando o mistério da divindadepresente no chão amazônico”. Realmente grave, e de sabor panteísta, é estaafirmação de que o chão amazônico carrega a presença do mistério da divindade.Dá a entender, mais uma vez, que Deus não é um Ser transcendente à Criação, masuma energia imanente no cosmo.

Osrituais e o texto permitem conjecturar que os militantes da REPAM possuem uma concepção“emanacionista” da Criação. Ou seja, para eles a Criação não foi feita por Deusa partir do nada, e fora d’Ele (ad extra),como afirma a doutrina católica, mas teria sido uma emanação evolutiva do “Uno primordial”, como falsamenteensinaram o neoplatonismo, a gnose, a cabala judia e o jesuíta Pierre Teilhardde Chardin.

Atribuindoà Mãe Terra um papel criador intermediário nessa evolução, como se depreende dotexto da índia Ednamar, os promotores do Sínodo parecem fazer uma releitura doEvangelho de São João, algo em termos como estes: “No princípio era aPachamama, e a Pachamama estava junto a Deus, e a Pachamama era deusa. Elaestava no princípio junto a Deus. Tudo foi feito por ela, e sem ela nada foifeito. Nela havia a vida, e a vida era a luz dos homens”…

Veneração somente admissível a seresracionais

O arcebispo Dom Carlo Maria Viganò mostrou o “fim da linha”: “Os organizadores e protagonistas do Sínodo certamente alcançaram um de seus objetivos: tornar a Igreja mais amazônica, e a Amazônia menos católica”.

Algunsintelectuais e prelados tentaram justificar os rituais realizados nos jardinsdo Vaticano e alhures. A defesa mais elaborada foi apresentada no “OsservatoreRomano”por Dom Felipe Arizmendi, controvertidobispo emérito da diocese de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas (México) —admitindo que as estatuetas “são símbolosde realidades e vivências amazônicas, com motivações não somente culturais, mastambém religiosas, porém não de adoração, pois esta é devida somente a Deus”.[3]Contudo, ele reconhece que no começo incomodava-o ver os índios em Chiapas osculandoa terra, reverenciando o sol e os quatro pontos cardeais, mas depoiscompreendeu que eles não adoram a terra como uma deusa, mas apenas a veneram comouma verdadeira mãe, porque dá tudo de que precisamos para viver.

Essaexplicação de Dom Arizmendi é ludibriadora, pois São Tomás lembra na Suma Teológica (III q. 25, aa. 3 e 4) quea honra ou veneração só é devida às criaturas racionais (Deus, os anjos, ossantos, os pais, os reis etc.) ou a objetos que as representam. Portanto, paraevitar cuidadosamente qualquer perigo de idolatria, não se devem prestar honrasa seres irracionais — plantas, animais ou a própria natureza.

Algunspretenderam que as estatuetas eram “pró-vida”, e que o objeto do culto era a fertilidade.Certamente é possível representar uma virtude ou uma realidade espiritual atravésde uma imagem, e a isto se dá o nome de alegoria. Mas isso é feito para excitara nossa imaginação, não para render-lhe um culto.

O sacerdotealemão Paulo Suess, professor de missiologia em São Paulo e um dos especialistasno Sínodo amazônico, foi mais “honesto” em uma entrevista para a seção alemã doVatican News, quando proclamou: “Na und? E daí? Mesmo que tivesse sido umritual pagão, é sempre um gesto de culto. Um ritual sempre tem a ver com oculto. O [culto] pagão não pode ser menosprezado, como se não valesse nada”.[4]Pelo que conhecemos do Antigo Testamento, podemos entrever as grosseirascontrafações veiculadas nos livros didáticos de antropologia e missiologia…

Igreja mais amazônica – Amazônia menoscatólica

Apoteose de São Tomás de Aquino – Francisco de Zurbarán (1598–1664). Museu de Belas Artes de Sevilha, Espanha.

Seessa compreensão anti-bíblica da “interculturalidade” vier a ser avalizada peloPapa Francisco na próxima exortação pós-sinodal, a sua “Igreja de rosto amazônico” se assemelhará ao templo de Salomão, noqual, de acordo com a visão do profeta Ezequiel, os anciãos e as mulheres adoravamo sol e diversos ídolos. E é oportuno lembrar que isso acendeu a ira de Deus.

O arcebispo DomCarlo Maria Viganò mostrou o “fim da linha”: “Os organizadores e protagonistas do Sínodo certamente alcançaram um deseus objetivos: tornar a Igreja mais amazônica, e a Amazônia menos católica”.E advertiu: “O paradigma amazônico, comsua veneração panteísta da Mãe Terra e a interconexão utópica entre todos oselementos da natureza, deve permitir (de acordo com as especulações teológicasdesenvolvidas na área germânica) a superação da religião católica tradicional pormeio de um panteão ‘mundialista’ e apátrida”.[5]

A imprescindível resistência católica

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, autor da “Declaração de Resistência à Ostpolitik do Papa Paulo VI”

Em face de tal proposta sincretista da religião católica, seremosobrigados a resistir com todas as forças de nosso espírito, como São Pauloresistiu a São Pedro quando ele quis introduzir práticas judaizantes na Igreja doprimeiro século. Como sempre adverte Dom Athanasius Schneider (Bispo de Astana,Cazaquistão), a Igreja não é propriedade do Papa, mas de Nosso Senhor JesusCristo, do qual o Papa é o Vigário (substituto, representante), e não osucessor.[6]Certamente o Sumo Pontífice foi dotado do carisma da infalibilidade, com opoder das chaves. Mas, como declarou solenemente o Concílio Vaticano I, aassistência do Espírito Santo não foi prometida “aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo,pregassem uma nova doutrina; mas para que, com a sua assistência, conservassemsantamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelaçãoherdada dos Apóstolos”.[7]

Numerosostratadistas do melhor quilate reconhecem explicitamente a legitimidade daresistência pública às decisões ou ensinamentos errados dos pastores, inclusivedo Soberano Pontífice. Tais estudiosos formaram a ampla base de sustentação doestudo de Arnaldo Xavier da Silveira intitulado “Resistência pública a decisões da autoridade eclesiástica”,publicado em Catolicismo (agosto de1969).

Lembremos, porexemplo, São Tomás de Aquino: “Havendoperigo próximo para a fé, os prelados devem ser arguidos — até mesmo publicamente —pelos súditos. Assim, São Paulo, que era súdito de São Pedro, arguiu-opublicamente em razão de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé. E,como diz a Glosa de Santo Agostinho, ‘o próprio São Pedro deu o exemplo aos quegovernam, a fim de que estes, afastando-se alguma vez do bom caminho, nãorecusassem como indigna uma correção vinda mesmo de seus súditos’ (Gal 2, 14)”(Summa II-II, q. 33, a. 4, s. 2).

Diante de uma atitudecorajosa e inabalável de resistência, os promotores do Sínodo Pan-amazônico eda sua aplicação certamente retrucarão: “Quem não aceita os documentos do PapaFrancisco, cai no cisma”. Mas, pelo contrário, a qualificação de cismáticoseria aplicável a um eventual documento pontifício que se afastasse do ensinocatólico tradicional, como afirmou o Cardeal Raymond Burke em recente entrevistaao “New York Times”.[8]

Lobos no rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo

O trágico de todas essas manifestações é que a perspectiva de um cisma parece não assustar o Papa Francisco. Numa entrevista de imprensa, ao retornar de Moçambique [foto ao lado], ele declarou: “Rezo para que não ocorram cismas, mas não tenho medo. Isso é um resultado do Vaticano II, não deste ou daquele outro Papa”. E o correspondente na Itália do semanário alemão “Der Spiegel” relatou que num pequeno círculo o Papa Francisco fez a seguinte autocrítica: “Não é de excluir que eu passe para a história como aquele que dividiu a Igreja Católica”.[9]

Se isso vier a acontecer — ou seja, que a divisãovirtual no seio da Igreja venha a se transformar em cisão formal — os católicosfiéis ao seu batismo devem se aferrar ao ensino perene do Magistériotradicional e aos pastores que o transmitam sem alteração. E rogar cominsistência ao Espírito Santo que faça voltar ao bom caminho os prelados quedele se afastaram. Devem também ser enaltecidos (e imitados) os que, com zelosagrado e enfrentando riscos, põem fogo ou jogam no rio as estatuetas idolátricas.

Devemos resistir de viseira erguida aos planosdemolidores da autoridade eclesiástica, sempre que seja necessário, e sem angustiar-nosa respeito do estatuto canônico de prelados inovadores que dão escândalo porseus gestos e ensinamentos — inclusive o Sumo Pontífice. Esta é uma matériateológico-canônica melindrosa, motivo de controvérsia até entre osespecialistas, e por cuja solução os fiéis comuns não deverão prestar contas aDeus, já que escapa totalmente à sua competência. Deverão render contas, sim,pela preservação da própria integridade da fé, e pela dos que estão aos seuscuidados.

É possível que, num futuro não remoto, alguns preladospretendam forçar os católicos a aceitar suas irregularidades doutrinárias oupastorais, e que cheguem ao extremo de abusar do seu poder, aplicando penascanônicas aos católicos fiéis que resistam aos seus desvios. Nessaeventualidade, estarão tais falsos pastores transformados em lobos, responsáveispela ruptura da unidade do rebanho de Cristo. Responderão eles diante de JesusCristo pelas consequências da sua ação destruidora dos direitos de Deus e daIgreja. Tal como já aconteceu no século IV, em plena crise da heresia ariana,quando Santo Atanásio foi vítima de um abuso de poder. Mas sua resistênciaheroica o tornou uma estrela no firmamento da Igreja.

A respeito deste momentoso tema,sugerimos, para aqueles que ainda não a conhecem, a leitura da “Declaraçãode Resistência à Ostpolitik do Papa Paulo VI”, escrita pelo Prof. PlinioCorrêa de Oliveira em abril de 1974.10

___________

Notas:


Fonte: Revista Catolicismo Nº 829, Janeiro/2020.

[1] https://cruxnow.com/news-analysis/2019/10/perhaps-its-fitting-that-pope-francis-now-has-his-own-cadaver-synod/

[2]https://docs.google.com/document/d/1OUVKTMjh4TPA057aPU0i4FMhW4SHwD619W09OsxZOew/edit

[3] http://www.osservatoreromano.va/it/news/e-una-divinita-la-pachamama

[4] https://www.marcotosatti.com/2019/10/26/vatican-news-autocensura-il-teologo-che-ammette-riti-pagani-al-sinodo/

[5] https://panamazonsynodwatch.info/pt-br/2019/11/15/mons-vigano-a-abominacao-de-ritos-idolatricos-penetrou-no-santuario-de-deus/

[6] http://adelantelafe.com/exclusiva-rorate-caeli-entrevista-al-obispo-athanasius-schneider-fsspx-la-mujer-y-el-lavado-de-pies-consagracion-de-rusia-obispos-antipastorales-y-mucho-mas/

[7] https://cleofas.com.br/concilio-vaticano-i-parte-3/

[8] https://www.nytimes.com/2019/11/09/opinion/cardinal-burke-douthat.html

[9] http://www.spiegel.de/panorama/gesellschaft/vatikan-kritik-an-papst-franziskus-nimmt-vor-weihnachten-zu-a-1127247.html

10. http://www.pliniocorreadeoliveira.info/MAN%20-%201974-04-08_Resistencia.htm

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Autor

José Antonio Ureta

José Antonio Ureta

37 artigos

Chileno, membro fundador da "Fundación Roma", uma das organizações chilenas pró-vida e pró-família mais influentes; Pesquisador e membro da "Société Française pour la Défense de la Tradition, Famille et Propriété"; colaborador da revista Catolicismo e do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e autor do livro: "A mudança de paradigma do Papa Francisco: continuidade ou ruptura na missão da Igreja? Relatório de cinco anos do seu pontificado".

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