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Plinio Corrêa de Oliveira
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Livro: Uma brecha na barragem - A infiltração do lobby LGBT na Igreja

Uma bandeira cinza


Se alguém gosta do cinza, me desculpe: gostos e cores não se discutem, diz o provérbio. Estou no terreno do simbólico. Além disso, não tenho opinião negativa de todo cinza. Os há passáveis. No veludo, por exemplo.

Vamos dar um salto para trás, para entender o restante. A Revolução hippie, ocorrida em 1968, “constituiu uma detonação de alcance universal, que pôs em acentuado movimento os maus germes há tanto tempo incubados no mundo contemporâneo”[1].

De certa forma, essa revolução sinalizou a decadência do socialismo. Pois a partir desse ponto, a velha massa operária subversiva deixou de ser vanguarda, e por isso começou a morrer.

Essa revolução apresentava uma importante particularidade, sobre a qual nunca será demais chamar a atenção. Como nota Eric Hobsbawn, em sua obra Era dos Extremos, “o ímpeto para o novo radicalismo vinha de grupos não afetados pela insatisfação econômica”[2] .

Estava-se diante de uma revolução com largo predomínio da classe média, e talvez até um pouco mais que média. Harouel informa que os estudantes de sociologia foram os que mais se destacaram na revolta, e destes, “68% procediam das classes superiores”.[3]

A partir de então, a ideia de revolução social, apoiada na luta de classes, começou a minguar, substituída que foi pela revolução da jovem classe média, hoje por exemplo frequentadora dos shoppings. O comunismo proletário foi perdendo a liderança revolucionária. Mas a proletarização – “tomado este termo no seu sentido mais pejorativo”[4] – continuou a avançar velozmente, propulsionada por certa burguesia.

Uma última grande cartada do esquerdismo “clássico” foi o lançamento da autogestão pelo recém-eleito presidente francês François Mitterrand, em 1981. A nova bandeira parecia ter tudo para arrastar a velha e a nova massa. A ideia, que parecia dotada da força irresistível das avalanches, acabou não vingando[5], e em consequência, o marxismo, sem espaço vital no seio da antiga massa, e sem força na nova, murchou.

O chamado “socialismo real” se viu solapado na ordem das tendências, das ideias e, depois de curta sobrevida, também na ordem dos fatos, com a queda do chamado Muro da Vergonha, em 1989.

Esse Muro desabou ao mesmo tempo em que decaía a velha massa, sindicalizada e revoltada. Observa Plinio Corrêa de Oliveira: “Como fantasmas vazios de cérebro, de coração e de entranhas, os Partidos Comunistas ainda se obstinam em sobreviver por toda parte”[6]. Detalhe significativo: muitas vezes mudando de nome[7]. E blefando o quanto podem.

Do ponto de vista antropológico, qual foi o resultado dos cerca de 100 anos de massificação operada pelo chamado “socialismo real”? Disse François Furet: “O comunismo destruiu o tecido social dos países do Leste. Não há mais sociedade, não há mais regime político e as populações foram privadas de seu passado”[8].

Saulo Ramos, ex-Consultor-Geral da República e ex-ministro da Justiça do Brasil, descreve com cores vivas o que foi a “destruição do sentido social” na Rússia:

É preciso ir e ver. Meninos, eu fui e vi. A Rússia não existe mais, isto é, existe, mas não há possibilidade de se definir o que está existindo naquele doloroso vazio de vontades e destinos”.

Após registrar, com fino espírito de observação e meticulosa paciência, inúmeros fatos que ilustram seu artigo, remata:

O Estado soviético deixou um povo sem nada na alma, nos desejos, nas ambições, na luta pelo próprio destino. Segundo os fiéis intérpretes com quem conversei, o assassinato mais grave deu-se, nos 80 anos de comunismo, na mentalidade e sentimento dos russos.

“O que antes de 1917 era poesia, música, ballet, vontade e alegria de viver, mesmo diante das atrocidades do regime czarista, hoje ainda é medo da polícia, desinteresse pelas coisas da vida, um vago esforço limitado à comida de cada dia ou à extravagância de um refrigerante estrangeiro. O resto é afogar-se em vodca, povo e chefões”.

E conclui, melancolicamente:

“Nero, Átila, Hitler assassinaram pessoas, roubaram a vida de milhões de seres humanos, mas os sobreviventes reconstruíram os bens e as terras devastadas. O comunismo, por ter durado muito tempo, além dessas mesmas e macabras proezas, assassinou a alma dos que sobreviveram, roubando-lhes, depois de várias gerações, a vontade de reconstruir o que não conheceram”. E é o que Putin parece desejar hoje para a pobre Ucrânia!

O título do artigo é expressivo: Assassinato da alma russa[9]. Estamos assistindo o assassinato da alma brasileira?

Uma cor simbólica para essa conjuntura? o cinza pardacento seria uma sugestão.

O vermelho comunista hoje é, por assim dizer, uma cor de marketing, a menos que se queira considerar os rios de sangue que derramou e continua derramando.

Um cinza simbólico domina.Vamos para uma estação grande de metrô, digamos a Estação Sé em São Paulo, e num horário de pico, esperemos o trem. Que vemos? Parece-nos que a mesma bandeira cinza, invisível, simbólica, igualitária, implacável, vai-se estendendo no local.

— Ora, deixe de nos ocupar com pesadelos! Volte à realidade…

Pois essa é a realidade. Não quero generalizar, pois existe ainda muita cor em recantos tradicionais, não “globalizados”. Mas… fora disso? Se a realidade ainda não é isso, tende para isso.

É hora de pensar um pouco nos acontecimentos que vagamente se delineiam e na História. Sobretudo, não podemos nos engajar no conjunto enorme daqueles que só pensam no presente, e para os quais o passado e o futuro não existem, o que é um mal do século. Sem saberem, eles adotam o cinza.

A massificação cinza se generalizou tanto que quase não se fala nela: virou rotina. E dessas simbólicas bandeiras cinzentas se desprende um vago convite a uma tristeza sem fim. Lembremo-nos de uma reflexão de Dr. Plinio: “Não é com vento, mas com cinza, que as brasas se apagam”.[10]

Como diz Dr. Plinio: “Massa, infeliz massa anorgânica, que vive do movimento que lhe vem de fora, vai para onde não sabe, não tem chefes naturais, nem hierarquia própria, nem qualquer espécie de diferenciação interna. Não é um organismo. É uma justaposição física de homens, no fundo isolados uns dos outros como os grãos de areia da praia, que se justapõem uns aos outros, mas que não têm entre si qualquer interpenetração de vida espiritual – ‘o convívio’ no sentido exato do termo”.[11]Estamos nisso!

Se quisermos ser homens de nosso tempo, saibamos fazer a crítica desse fenômeno sociológico! Por cima das cores variadas e diferenciadas dos pavilhões dos países atuais, saibamos ver uma hipotética e simbólica bandeira, exibindo uma única cor: o cinza, para uma realidade cinza, para os pensamentos cinza, de uma massa cinza.

Solução? É claro que existe uma solução. É a religião católica, é a Igreja una, santa, católica, apostólica, romana. Mas a autêntica Igreja Católica, pois certo cinzento também tenta penetrar nela! Por Ela, resistamos à tentação sinistra do cinza. E sejamos pelas cores dignas desse nome. Em Maria Santíssima, a mãe de todo nobre colorido, busquemos, o quanto antes, todas as cores de que necessitamos para o entretenimento, de nossas vidas e da sociedade.

______________

[1] Plinio Corrêa de Oliveira, Nobreza e Elites Tradicionais Análogas(Civilização, Porto, 1995, 3ª ed., VII, 8, b).

[2] Ed. Ática, São Paulo, 1998, p.  296.

[3]Essai sur l’Inégalité”, Jean-Louis Harouel, p. 173.

[4] Plinio Corrêa de Oliveira, Nobreza e Elites Tradicionais Análogas(Civilização, Porto, 1995, 3ª ed., VII, 8, b).

[5] As quinze TFPs fizeram publicar, nos principais jornais de todo o mundo, com uma tiragem total de 33,5 milhões de exemplares, o célebre encarte de seis páginas, com o título: “O socialismo autogestionário, barreira ou cabeça de ponte?”, de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira desmascarava o programa do recém-eleito presidente francês François Mitterrand. O trabalho teve uma repercussão internacional retumbante.

[6] “Catolicismo”, nº 489.

[7] Também no Brasil é possível constatar a falência da velha massa. O mais forte partido de esquerda, o PT (Partido dos Trabalhadores) acabou se tornando uma agremiação de classe média. “Faz tempo que o PT deixou de ser o partido dos trabalhadores, como se pretendeu ao nascer …. como se no Brasil o funcionalismo, e não o proletariado, fosse a verdadeira ‘classe universal’, cuja hegemonia política, segundo os marxistas, possibilitaria, por definição, a redenção da sociedade inteira” (Luiz Weiss, “A ‘brizolização’ do PT”, “Jornal da Tarde”, São Paulo, 23-1-99). Em 99!

[8] In “Catolicismo”, n.  505,  jan 1993.

[9] Folha de S. Paulo, 3 de agosto de 1995.

[10] 17-11-46,

[11] “Catolicismo”, n.º 14, fev. 1952.

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Leo Daniele

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